Decerto que todos já repararam na frequência com que certos
homens ricos deste país, tais como Belmiro de Azevedo, Soares dos Santos,
Francisco Ulrich e Ricardo Espírito Santo, entre outros, aparecem na televisão.
É quase impossível não tropeçar neles, ou, quando eles não podem, nos
comentadores desportivos, o que vai dar quase ao mesmo.
Falamos de gente que engordou principescamente a sua
fortuna com a crise, enquanto mais de 90% da população viu minguar a sua. Essa
gente, que pertence em última instância ao grupo dos que causaram, aqui e lá
fora, a tragédia em que grande parte do mundo está hoje mergulhada, tem memória
curta e vergonha nenhuma.
É gente que fala de tudo, quando convém. Da forma como o
país deve ser governado, do descalabro das finanças públicas que eles próprios
ajudaram a causar, da baixa de salários, etc. Há conversa para todos os gostos.
Foi desta família de privilegiados que saíram muitos deputados, administradores
de empresas participadas pelo Estado, membros do Governo, dirigentes dos
partidos políticos, transformando a nossa classe política governante numa
espécie de casta que se julga superior e impune, e, por inerência, com direito
divino a abocanhar a melhor fatia do bolo.
Para mim não passam todos de uma praga incurável. São como
a sarna, que quanto mais se coça mais dói. Não há nada que, dê cabo deles. São
tão imortais quanto a natureza humana, naquilo que ela tem de pior. Um exemplo
recente só veio confirmar o meu nojo por esta camarilha que, ao arrepio dos
mais elementares princípios democráticos e de um estado de direito, não cessa –
por interposta pessoa – de nos ir ao bolso.
Descobriu-se agora uma
dívida escondida, mais uma, que todos pagaremos indirectamente, de cerca de 1200
milhões de euros, desta feita numa das empresas ligadas ao grupo Banco Espírito
Santo. Na sequência das conclusões de uma auditoria e de um relatório de contas,
a ESI, a holding que controla a área financeira (que
é no fundo o BES), foi obrigada a reescrever as suas contas e, em consequência,
a reconhecer o agravamento do seu passivo, passando a capitais próprios
negativos no espantoso valor de 2 500 milhões de euros.
Parte da
dívida foi contraída por empresas do próprio grupo em situação económica
difícil. É o velho esquema de a mão direita de um caloteiro emprestar dinheiro
à mão esquerda do mesmo caloteiro, sem que ninguém saiba. Agora a holding do
grupo está em situação de "falência técnica". Brilhante. Pelos vistos
de nada serviram os generosos benefícios fiscais para, diziam eles, criar
riqueza. A riqueza voou e a dívida ficou…
Numa entrevista a um jornal, Ricardo Salgado, o administrador do grupo,
afirmou nada saber sobre a situação, garantindo ter sido apanhado desprevenido.
A responsabilidade, explicou o banqueiro, foi admitida pelo responsável das
contas da ESI, no Luxemburgo, que entretanto pediu a demissão. Pois, claro….
Nesta
altura do circo convém não esquecer que lá para a mesma banda, há uns meses, outro «chico-esperto», o senhor Ricardo Espírito Santo, esqueceu-se de declarar 26
milhões de euros ao fisco e foi apanhado. Resultado: pagou e terminou tudo em
bem, sem quaisquer outras penalizações. Basta a qualquer
cidadão recordar as angústia e castigos por infracções muito menores do
quotidiano, para percebermos como há dois mundos totalmente diferentes, mesmo
ao lado um do outro.
É caso para reproduzir
aqui a velha ideia popular de que, quando se trata de ricos, tentar não custa
porque o crime compensa mesmo.
A conclusão, para mim,
é de que os ricos nunca ficarão satisfeitos enquanto não tiverem tudo. O que é
deles, o que é nosso, até o que não é de ninguém. Querem controlar os nossos
empregos, ter as nossas casas, dominar as nossas vidas, consumir-nos até aos
ossos. Nunca se esqueçam de que foi o multimilionário Donald Trump quem disse
um dia que “Nunca se é ganancioso de mais”. É caso para pensar. Tenham um bom
dia.
(Crónica na Rádio F - 26 de Maio de 2014)