terça-feira, maio 27, 2014

Ponto de vista

Decerto que todos já repararam na frequência com que certos homens ricos deste país, tais como Belmiro de Azevedo, Soares dos Santos, Francisco Ulrich e Ricardo Espírito Santo, entre outros, aparecem na televisão. É quase impossível não tropeçar neles, ou, quando eles não podem, nos comentadores desportivos, o que vai dar quase ao mesmo.
Falamos de gente que engordou principescamente a sua fortuna com a crise, enquanto mais de 90% da população viu minguar a sua. Essa gente, que pertence em última instância ao grupo dos que causaram, aqui e lá fora, a tragédia em que grande parte do mundo está hoje mergulhada, tem memória curta e vergonha nenhuma.
É gente que fala de tudo, quando convém. Da forma como o país deve ser governado, do descalabro das finanças públicas que eles próprios ajudaram a causar, da baixa de salários, etc. Há conversa para todos os gostos. Foi desta família de privilegiados que saíram muitos deputados, administradores de empresas participadas pelo Estado, membros do Governo, dirigentes dos partidos políticos, transformando a nossa classe política governante numa espécie de casta que se julga superior e impune, e, por inerência, com direito divino a abocanhar a melhor fatia do bolo.
Para mim não passam todos de uma praga incurável. São como a sarna, que quanto mais se coça mais dói. Não há nada que, dê cabo deles. São tão imortais quanto a natureza humana, naquilo que ela tem de pior. Um exemplo recente só veio confirmar o meu nojo por esta camarilha que, ao arrepio dos mais elementares princípios democráticos e de um estado de direito, não cessa – por interposta pessoa – de nos ir ao bolso.
Descobriu-se agora uma dívida escondida, mais uma, que todos pagaremos indirectamente, de cerca de 1200 milhões de euros, desta feita numa das empresas ligadas ao grupo Banco Espírito Santo. Na sequência das conclusões de uma auditoria e de um relatório de contas, a ESI, a holding que controla a área financeira (que é no fundo o BES), foi obrigada a reescrever as suas contas e, em consequência, a reconhecer o agravamento do seu passivo, passando a capitais próprios negativos no espantoso valor de 2 500 milhões de euros.
Parte da dívida foi contraída por empresas do próprio grupo em situação económica difícil. É o velho esquema de a mão direita de um caloteiro emprestar dinheiro à mão esquerda do mesmo caloteiro, sem que ninguém saiba. Agora a holding do grupo está em situação de "falência técnica". Brilhante. Pelos vistos de nada serviram os generosos benefícios fiscais para, diziam eles, criar riqueza. A riqueza voou e a dívida ficou…
Numa entrevista a um jornal, Ricardo Salgado, o administrador do grupo, afirmou nada saber sobre a situação, garantindo ter sido apanhado desprevenido. A responsabilidade, explicou o banqueiro, foi admitida pelo responsável das contas da ESI, no Luxemburgo, que entretanto pediu a demissão. Pois, claro….
Nesta altura do circo convém não esquecer que lá para a mesma banda, há uns meses, outro «chico-esperto», o senhor Ricardo Espírito Santo, esqueceu-se de declarar 26 milhões de euros ao fisco e foi apanhado. Resultado: pagou e terminou tudo em bem, sem quaisquer outras penalizações. Basta a qualquer cidadão recordar as angústia e castigos por infracções muito menores do quotidiano, para percebermos como há dois mundos totalmente diferentes, mesmo ao lado um do outro.
É caso para reproduzir aqui a velha ideia popular de que, quando se trata de ricos, tentar não custa porque o crime compensa mesmo.

A conclusão, para mim, é de que os ricos nunca ficarão satisfeitos enquanto não tiverem tudo. O que é deles, o que é nosso, até o que não é de ninguém. Querem controlar os nossos empregos, ter as nossas casas, dominar as nossas vidas, consumir-nos até aos ossos. Nunca se esqueçam de que foi o multimilionário Donald Trump quem disse um dia que “Nunca se é ganancioso de mais”. É caso para pensar. Tenham um bom dia.
(Crónica na Rádio F - 26 de Maio de 2014)