quarta-feira, maio 14, 2014

Ponto de vista



Diz o povo, na sua sabedoria ancestral, “se queres conhecer o vilão, põe-lhe o governo na mão”. Vem isto a propósito das recentes alterações ao regimento da Assembleia Municipal da Guarda e à decisão do presidente da câmara em não permitir a divulgação do relatório, por mais sintético que seja, sobre a auditoria à câmara municipal.
Para início de conversa, reduziu-se o tempo para entrega aos deputados dos documentos relacionados com propostas do executivo camarário. A partir de agora, os deputados, pelo menos os da oposição, só recebem os documentos que vão discutir, dois dias antes da Assembleia.
Isso torna impossível, na prática, um adequado estudo dos dossiers a discutir em plenário, dificultando imenso a preparação das intervenções e a elaboração de propostas e sugestões. Em contraponto, os documentos da oposição têm de ser entregues até oito dias antes. E pior, o público que queira intervir terá que entregar a sua comunicação com cinco dias de antecedência, ficando sempre à consideração da mesa da Assembleia Municipal a oportunidade da intervenção do cidadão. Há filhos, enteados e, pelos vistos, até enjeitados.
Este comportamento de Álvaro Amaro e do presidente da própria Assembleia Municipal da Guarda, Carvalho Rodrigues, que permite a uns correrem a plenos pulmões enquanto outros correm com os pés amarrados, não é criticável apenas por ser descaradamente antidemocrático. É condenável sobretudo por ser incoerente. No tempo da maioria socialista os apaniguados de Álvaro Amaro reclamavam, com razão, mais tempo para a preparação dos dossiers. Agora que estão no poder e sentem necessidade de tudo controlar, parecem ter-se esquecido desses velhos tempos, assumindo sem qualquer pudor os mesmos vícios que então criticavam aos outros.
Mas a coisa não fica por aqui. Os tempos de intervenção foram alterados, tendo o presidente da autarquia, a partir de agora, todo o tempo do mundo que achar necessário para intervir. O facto de um dia destes Álvaro Amaro ter proferido, num jantar de Rotários, um discurso de 52 minutos no qual conseguiu não dizer nada que tenha ficado no ouvido, não augura nada de bom para a futura paciência dos representantes do povo na dita Assembleia…
Álvaro Amaro consegue assim uma coisa inédita. A Assembleia Municipal passa definitivamente de órgão fiscalizador do executivo camarário a órgão fiscalizado por ele, executivo, que é o mesmo que dizer, fiscalizado por Álvaro Amaro. É a subversão completa daquilo que deve ser uma Assembleia Municipal, que como se sabe é um órgão eleito e deliberativo, que pela sua natureza é o local onde os cidadãos, e não só os partidos políticos, podem e devem apresentar as suas queixas e sugestões sobre o funcionamento da autarquia.
Por isso já não estranha que Álvaro Amaro tenha juntado a fome com a vontade de comer e tenha transformado a página oficial da Câmara Municipal da Guarda noutra coisa qualquer. Essa página deveria ser o local indicado para se publicarem todos os documentos relativos, por exemplo, a uma reunião de Câmara ou da Assembleia Municipal. Mas não é isso que acontece. Tudo é guardado a sete chaves, como se de um segredo de estado se tratasse. O caso mais grave foi decidido pelo presidente da câmara que deliberou, de forma peremptória, que não autorizaria em caso algum a distribuição do relatório síntese da auditoria que foi paga pelos contribuintes. Demasiado grave para quem diz respeitar os eleitores e os respectivos órgãos eleitos. Respeito? Mas que respeito quando o presidente da Assembleia Municipal afirmou que não dialoga com ignorantes. Haja respeito.
Perante tudo isto até o caciquismo bacoco e as palhaçadas de Alberto João Jardim me parecem coisa menor. É que se os perdigotos de Jardim ainda não chegam à Guarda, o bafo cinzento de Álvaro Amaro começa a sentir-se por cá como se de uma espécie de nevoeiro de verão se tratasse.
Esta necessidade de tudo controlar ainda nos vai custar caro. Alguém dizia que a necessidade transforma um homem honesto num velhaco. E a verdade é que a Guarda tem tido muito pouco de uns, e demasiado de outros. Infelizmente! Tenham muito bom dia.
(Crónica na rádio F -  12 de Maio de 2014)