Um recente relatório da
representação da Comissão Europeia em Portugal, afirmando que «esta não é a altura certa para o Tribunal
Constitucional se envolver em ativismos políticos», deveria fazer-nos
refletir, a todos, sobre a situação a que chegou a democracia em Portugal.
Com efeito, este
relatório, que escapou cirurgicamente para a comunicação social como que por
dotes de magia, foi ao ponto de considerar que «o espaço de manobra do Executivo está a ficar cada vez mais reduzido
com as decisões negativas do Tribunal Constitucional» e que este órgão de
soberania «pode ser visto com uma real
força de bloqueio, com influência direta na política orçamental do Governo».
Convém não esquecer que
já Durão Barroso, presidente da mesmíssima Comissão Europeia e personagem
conhecida não propriamente pelos seus dotes culinários, havia afirmado, sem
esclarecer se o mesmo seria ou não de cherne, que «se o Tribunal Constitucional vier a chumbar o orçamento de 2014,
teremos o caldo entornado».
Ou que Vítor Bento,
conselheiro de estado recentemente o nomeado por Cavaco Silva, afirmou que «um chumbo do TC a algumas das medidas do
orçamento pode levar a uma crise financeira e social de grandes dimensões».
Não falou Cavaco, mas falou alguém por ele.
Se recordarmos que o
próprio Passos Coelho não se eximiu a tecer considerações sobre as decisões do
TC e que tudo isto começou com uma afirmação de Paulo Portas, considerando que
não passamos atualmente de um "protetorado",
percebemos facilmente que está em marcha uma estratégia para convencer os
portugueses de que devem aceitar pacificamente todas as malfeitorias que uma certa
e minoritária visão ideológica da sociedade pretende impor-lhes à margem da
Constituição.
Ora, esta estratégia
visa dois objetivos: o primeiro consiste em pressionar o TC a não exercer adequadamente
o seu escrutínio sobre um orçamento em que nem sequer o governo acredita. O
segundo visa a transferência da culpa, isto é, convencer-nos de que, a existir um
segundo resgate, como acredito que vai existir, a culpa não é do governo mas
tão só de outros. No caso em apreço, o TC serve às mil maravilhas como bode
expiatório. Só falta defender que o melhor é mesmo acabar com o TC ou, já
agora, com a própria Constituição. Ou com a democracia.
Ora, o país pode ter
atingido a degradação máxima nas suas condições económicas e sociais. Pode ter
batido no fundo ao nível da baixeza ética e moral a que chegou. Pode ser
governado por gente que em vez do tronco direito e cabeça bem levantada prefere
a posição de cócoras. Mas a perda de soberania que o resgate arrastou
não justifica a perda de dignidade.
Esta estratégia
profundamente errada trouxe-me inevitavelmente à memória as histórias de
quadradinhos da minha infância, nas quais o maior sonho do vilão, ou dos
vilões, era sempre o de que não existisse lei.
Recordam-se, por
exemplo, dos famosos irmãos Dalton? O problema é que, ao tentar encaixar nesse
tipo de histórias os cowboys que hoje
nos governam, não consigo imaginá-los como Lucky Luke`s. Sou forçado a admitir–
pelo menos em termos democráticos – que lhes assenta bem melhor o papel de
reles vilões. Assim mesmo.
Passos Coelho faz-me
lembrar o irmão Joe, o mais alto. Durão Barroso dá mais com o ar do irmão Jack.
Vitor Bento confunde-se com o irmão William. E Paulo Portas assenta que nem uma
luva no irmão Averell. Cavaco, para rematar, só pode ser a mamã Dalton! Quanto
à ministra das finanças, começo a suspeitar que se julga uma espécie de Calamity Jane,
com a diferença de no farwest em que
vivemos não acertar uma p`rà caixa.
O ridículo, em
política, não é tentarem convencer-nos do impossível. É acreditarem nisso. Esta
gente, em vez de se adaptar à Constituição, quer que a Constituição se adapte a
eles. Dá para perceber por que é que alguém, falando da tolice, dizia que a
estupidez insiste sempre!
Tenham um bom dia e boa semana.
Jorge Noutel - 21/10/2013