terça-feira, outubro 22, 2013

Crónica na rádio F

Um recente relatório da representação da Comissão Europeia em Portugal, afirmando que «esta não é a altura certa para o Tribunal Constitucional se envolver em ativismos políticos», deveria fazer-nos refletir, a todos, sobre a situação a que chegou a democracia em Portugal.
Com efeito, este relatório, que escapou cirurgicamente para a comunicação social como que por dotes de magia, foi ao ponto de considerar que «o espaço de manobra do Executivo está a ficar cada vez mais reduzido com as decisões negativas do Tribunal Constitucional» e que este órgão de soberania «pode ser visto com uma real força de bloqueio, com influência direta na política orçamental do Governo».
Convém não esquecer que já Durão Barroso, presidente da mesmíssima Comissão Europeia e personagem conhecida não propriamente pelos seus dotes culinários, havia afirmado, sem esclarecer se o mesmo seria ou não de cherne, que «se o Tribunal Constitucional vier a chumbar o orçamento de 2014, teremos o caldo entornado».
Ou que Vítor Bento, conselheiro de estado recentemente o nomeado por Cavaco Silva, afirmou que «um chumbo do TC a algumas das medidas do orçamento pode levar a uma crise financeira e social de grandes dimensões». Não falou Cavaco, mas falou alguém por ele.
Se recordarmos que o próprio Passos Coelho não se eximiu a tecer considerações sobre as decisões do TC e que tudo isto começou com uma afirmação de Paulo Portas, considerando que não passamos atualmente de um "protetorado", percebemos facilmente que está em marcha uma estratégia para convencer os portugueses de que devem aceitar pacificamente todas as malfeitorias que uma certa e minoritária visão ideológica da sociedade pretende impor-lhes à margem da Constituição.
Ora, esta estratégia visa dois objetivos: o primeiro consiste em pressionar o TC a não exercer adequadamente o seu escrutínio sobre um orçamento em que nem sequer o governo acredita. O segundo visa a transferência da culpa, isto é, convencer-nos de que, a existir um segundo resgate, como acredito que vai existir, a culpa não é do governo mas tão só de outros. No caso em apreço, o TC serve às mil maravilhas como bode expiatório. Só falta defender que o melhor é mesmo acabar com o TC ou, já agora, com a própria Constituição. Ou com a democracia.
Ora, o país pode ter atingido a degradação máxima nas suas condições económicas e sociais. Pode ter batido no fundo ao nível da baixeza ética e moral a que chegou. Pode ser governado por gente que em vez do tronco direito e cabeça bem levantada prefere a posição de cócoras. Mas a perda de soberania que o resgate arrastou não justifica a perda de dignidade.
Esta estratégia profundamente errada trouxe-me inevitavelmente à memória as histórias de quadradinhos da minha infância, nas quais o maior sonho do vilão, ou dos vilões, era sempre o de que não existisse lei.
Recordam-se, por exemplo, dos famosos irmãos Dalton? O problema é que, ao tentar encaixar nesse tipo de histórias os cowboys que hoje nos governam, não consigo imaginá-los como Lucky Luke`s. Sou forçado a admitir– pelo menos em termos democráticos – que lhes assenta bem melhor o papel de reles vilões. Assim mesmo.
Passos Coelho faz-me lembrar o irmão Joe, o mais alto. Durão Barroso dá mais com o ar do irmão Jack. Vitor Bento confunde-se com o irmão William. E Paulo Portas assenta que nem uma luva no irmão Averell. Cavaco, para rematar, só pode ser a mamã Dalton! Quanto à ministra das finanças, começo a suspeitar que se julga uma espécie de Calamity Jane, com a diferença de no farwest em que vivemos não acertar uma p`rà caixa.

O ridículo, em política, não é tentarem convencer-nos do impossível. É acreditarem nisso. Esta gente, em vez de se adaptar à Constituição, quer que a Constituição se adapte a eles. Dá para perceber por que é que alguém, falando da tolice, dizia que a estupidez insiste sempre! 
Tenham um bom dia e boa semana.

Jorge Noutel - 21/10/2013