A notícia já tinha sido avançada por uma rádio local, no mês passado, mas foi agora confirmada pelo presidente do Conselho de Administração da ULS da Guarda. O atraso no arranque das obras do nosso hospital deve-se a uma providência cautelar interposta pelo segundo classificado do concurso público lançado para requalificar o pavilhão 5. Alegadamente, um dos concorrentes à obra é a única causa para impedimento da assinatura do contrato. Como é costume nestas coisas, a ULS da Guarda irá invocar o interesse público junto dos Tribunais para desbloquear o processo.
Entretanto, os cerca de 8,5 milhões de euros para requalificar o edifício 5, que deverá albergar o Departamento da Criança e da Mulher, ficarão a aguardar por uma decisão judicial, enquanto segue a habitual propaganda do sistema. À falta de obra feita, fala-se daquilo que se quer fazer. As promessas, em tempo de crise nas obras feitas, funcionam para a alma como o chocolate para a depressão. E aí nota-se a liberdade para se falar de números astronómicos, a começar pelos mais de 50 milhões de euros a candidatar ao quadro comunitário 20 – 30 para recuperação do chamado Pavilhão 1 ou Comboio do nosso hospital. Claro que o contraponto de tanta promessa para se requalificar todo o edificado do Parque da Saúde são os prazos. Pelo menos, dez anos para conclusão das obras, o que desresponsabiliza em absoluto quem as faz e envia tudo para as calendas. Mas, no meio de tanto chico-espertismo há sempre um gato que deixa o rabo de fora….
António Monteirinho, o personagem que assumiu as despesas de toda esta propaganda, não resistiu a confessar em entrevista a sua visão de que o Hospital da Guarda, não sendo um hospital central, não pode ter todas as valências. Não esquecendo que o homem é simultaneamente deputado do PS, líder da concelhia e, fundamentalmente, ex membro do Conselho de Administração da ULS, isto deve querer dizer alguma coisa. É como alguém, a coberto de uma pretensa verdade lapaliciana, afirmar que, não sendo nós campeões do mundo de qualquer coisa, deveremos aceitar todas as misérias e desventuras que nos queiram impor…
António Monteirinho, que só passou pela ULS da Guarda graças à política, percebe tanto das carências e da situação sobre a saúde no distrito como eu percebo de lagares de azeite. É só falarem com alguns profissionais da instituição que tiveram de lhe aturar os ímpetos e vaidades, e muita incompetência e presunção pelo caminho, e percebem logo aonde quero chegar. Paradigmático desta alucinação é o seu discurso sobre a oftalmologia, serviço que há muito colapsou e que Monteirinho deve achar ser agora o melhor do mundo graças a um prestador de serviços que, sabe-se agora, tem no seu currículo muitas centenas de milhar de euros ganhos anualmente noutros hospitais, seja lá em que circunstâncias forem. Para além das inverdades que Monteirinho profere, nomeadamente sobre a pretensa recuperação de listas de espera, é preocupante esta mentalidade de que, se arranjarmos um qualquer mercenário subserviente aos desígnios da nossa agenda político-partidária já o podemos apresentar como um verdadeiro salvador da pátria em vez de termos de acordar para a realidade e irmos ao âmago dos problemas e resolvê-los como deve ser.
Mas isso dá trabalho e nem sempre serve os interesses do sistema de relações que estão na origem das teias que têm aprisionado a ULS da Guarda e a têm conduzido progressivamente à decadência e à irrelevância. A estratégia do PS e de outros partidos, de que Monteirinho acaba por ser um exemplo simultaneamente dramático e patético, passa por ser a de compensar com propaganda e demagogia a obra que não se consegue fazer, com os resultados que estão à vista no quotidiano de quem vê os seus problemas de saúde agravarem-se. A triste realidade é que a Guarda pesa zero no poder político em Lisboa. Em Lisboa, cumprimentos de circunstância e frases feita à parte, os políticos da Guarda são muitas vezes olhados com desprezo, para não se dizer com nojo. Olhando-se para Monteirinho não é difícil perceber-se porquê. Mas Monteirinho é apenas a consequência do problema, não a sua causa. Discuti-la, obrigaria a muitas crónicas e creio que os leitores não teriam paciência para tanto. Mas não me esqueço que Ana Mendes Godinho, candidata do PS na primeira posição à lista de deputados nas últimas legislativas, lugar que acabou por ser ocupado por Monteirinho, assumiu como lema de campanha «Concluir a 2.ª fase do Hospital Sousa Martins. Requalificar edifícios antigos do parque da Saúde». Só não disse em que século. Monteirinho já esclareceu que serão pelo menos 10 anos. O que já é alguma coisa. E que nos diz em que posição se situa o mordomo. Para Ambrósio a satisfazer chocolates à patroa, até já não é nada mau…
(Crónica Jornal O Interior - 9 de Maio de 2022)