quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Ponto de Vista

Finalmente «habemos» orçamento! Depois de tanta polémica acerca das versões precedentes, eis-nos finalmente perante um documento que aguarda a sua versão final em sede de comissão parlamentar. E é sobre esse documento, que já não é bem um rascunho, que devemos refletir.
Para início de conversa desejo deixar aqui bem claro que não sou apoiante deste governo nem militante de qualquer partido político. Sou um simples cidadão e é nessa qualidade que tenho uma opinião.
E essa opinião, para ir direto ao assunto, é de que este orçamento é mais do mesmo. Descontando pequenas diferenças, é um orçamento que esquece quem trabalha e que não sobrecarrega os verdadeiros detentores da riqueza. É um orçamento que dá com uma mão e tira com a outra.
Sabendo nós que para a direita este orçamento é mau, não acredito que mesmo à esquerda alguém possa defender com convicção que ele vira a página da austeridade. Todos sabemos que a diferença entre ricos e pobres vai continuar a aumentar. Com a agravante de algumas perversidades.
Um exemplo, um português com um vencimento mensal de, digamos, 600 ou 700 euros não deixará, infelizmente, de ter um rendimento baixo. Mas a partir de agora ser-lhe-á ainda mais difícil comprar um carro novo, pagar a gasolina e o imposto de circulação, ou andar de transportes públicos com os passes a aumentarem, e mormente os passes escolares, as propinas do ensino superior entre outros aumentos. E, mesmo na anunciada reposição de salários dizer que 40% ficará na mão do Estado.
 Não se vislumbra neste orçamento nenhuma importante medida de fundo no combate às desigualdades sociais. Em teoria, a descida do IVA nalguns segmentos da restauração poderia servir esse propósito. Mas o facto de os mais desfavorecidos não serem grandes consumidores deste nível da atividade económica, por um lado, e de os próprios industriais do sector terem já anunciado que não vão descer os preços, por outro, só vai conduzir a uma diminuição da receita fiscal sem contrapartidas sociais que se vejam.
 Ao nível do funcionalismo público este orçamento mantém uns como filhos, a trabalharem 35 horas, e outros como enteados, a trabalharem 40 horas semanais. E já não falo das desigualdades entre trabalhadores públicos e privados, com a direita a querer nivelar tudo por cima, isto é, nas 40 horas, e o governo a deixar como está, isto é, uns assim, outros, assado.
Quanto aos aumentos dos impostos para a banca, trata-se de uma medida louvável, não fora o sistema em funcionamento permitir a transferência dos custos para os clientes. Não andarei muito longe da verdade se disser que quem manda em Portugal é a banca e não o governo. A regulação é mínima e ineficaz. No geral, a banca faz o que quer e como quer. O cliente é, como sempre foi, o elo mais fraco da cadeia. Pagará mais comissões, ou mais juros, ou mais outra coisa qualquer. Mas pagará. Aliás vejam-se os milhões de lucros que a banca apresenta en contraponto com os prejuízos de há uns atrás. Tudo isto cheira a esturro!
A culpa está visto, será do governo anterior. Ou da Comissão Europeia, da troika, do FMI ou das agências de rating! E se não for deles, será sempre dos outros. Mas expliquem-nos – ao menos uma vez na vida – como se podem ter entradas de leão para depois se anunciarem saídas de sendeiro?
O que mais custa neste orçamento não é percebermos que fica quase tudo na mesma. É percebermos que isto acontece pela mão de um governo com apoio de partidos da esquerda. Quando era a direita a malhar, eu até já achava normal. Nem esperava outra coisa. Mas ter de aturar isto da esquerda é quase como ser roubado na própria casa pelos seus próprios filhos.

No meio da miséria, dos sacrifícios, do medo até, a esperança era a última coisa que nos restava. Com este orçamento percebemos que as próximas décadas vão ser sempre assim. Ou antes, vão ser pior. Sim, porque se com a esquerda é o que se vê, imaginem quando a direita voltar ao poder! Portugal já não é hoje apenas um país de gente desesperada. É um país de gente traída, só para servir e para agradar a alguns. A propósito, Cervantes disse um dia que ainda que a traição agrade, os traidores são sempre odiados. 
Eu não iria tão longe. 
A mim, basta-me desprezá-los. 
Muito bom dia.

(Crónica na rádio F - 8 de Fevereiro de 2016)