sexta-feira, abril 11, 2014

Falcone na Face Oculta

O que foi, afinal, o processo Face Oculta? Uma conspiração terrorista contra o PS?
Uma tenebrosa cabala da Polícia Judiciária, do Ministério Público e de um juiz de Aveiro contra Sócrates e o seu amigo Armando Vara? Estas foram as motivações que o PS de então encontrou no processo mas, em 40 anos de democracia, nunca um partido desceu tão baixo para esconder os seus próprios males. Esse PS que reinou de 2005 a 2011, apostado em “partir a espinha ao Ministério Público”, diabolizou o carácter de todos os profissionais envolvidos na investigação, demoliu instituições, fez do processo penal uma ciência maléfica, apostou na intoxicação da opinião pública, meteu cunhas ao mais alto nível para escapar incólume. 
Quer esse PS queira quer não, o Face Oculta é um processo exemplar e um retrato implacável do abuso de poder, corrupção, tráfico de influências e total ausência de valores éticos que são hoje os elementos estruturantes do exercício do poder em Portugal.
O outro processo-que-nunca-chegou-a-ser, anulado num verdadeiro golpe de Estado que usou a manipulação da lei como arma, ainda é pior. A forma como foi inviabilizada a investigação do negócio PT/TVI e do crime de atentado ao Estado de direito, caracterizado no essencial como uma grave limitação da liberdade de expressão através da concentração de poder nos media, vai perdurar como uma das maiores doenças da justiça. A protecção intrapares dos próceres do regime político e judicial, através da invenção de uma “extensão procedimental” para tirar Sócrates do caso, ficará como um violento ataque à separação de poderes.
O Face Oculta não podia ser maior espelho dos lixos O que foi, afinal, o processo Face Oculta? Uma conspiração terrorista contra o PS?que se acumulam nas sarjetas da República: tudo começou com uma dívida fiscal do sucateiro Manuel Godinho. Da dívida fiscal passa ao processo-crime e passa a ser possível recorrer a escutas. No telefone de Godinho cai Vara e Paulo Penedos, no destes cai Rui Pedro Soares e, aqui, cai a mitomania de fabricar uma campanha política com um imenso coro de jornalistas e comentadores por conta. 
Hoje, a narrativa é a do costume: os investigadores são acusados de “politização” da justiça e os políticos transformam­-se em vítimas. Com as devidas diferenças, lembramo-nos de Baltazar Garzón, citando Giovanni Falcone, sobre a desacreditação dos juízes: “ Falcone compreendia-o bem. Dizia :‘Primeiro começarão pelo ataque jurídico.’ E fizeram-no. ‘Depois virá a desacreditação pessoal.’ Fizeram-no. ‘Depois virão as calúnias.’ E vieram. ‘E depois virão atrás de mim.’ E foram.” Por cá, é mais ou menos assim. Não mata mas rebenta com o Estado de direito democrático.

Eduardo Dâmaso


Gostei de ler!!!