quinta-feira, abril 24, 2025

Ponto de vista

 A poucos dias de se comemorar o 25 de abril de 1974, não podemos, não devemos esquecer aquele dia glorioso. Mesmo que o sonho tivesse durado apenas 19 meses, de uma democracia participativa como nunca se viveu antes na história de Portugal. De uma democracia participativa e com a justificação de estar em curso um regime ditatorial passou-se para um regime de democracia formal - democracia representativa. Abriu-se em Portugal, entre 1974-1975, a crise mais grave do Estado na época contemporânea e deu-se início à última revolução da Europa Ocidental no pós-guerra a colocar em causa a propriedade privada dos meios de produção. As tarefas reformistas/reformadoras, no sentido clássico do termo nacionalizações, reforma agrária, melhoria dos salários, ganharam uma dimensão revolucionária porque foram conquistadas contra frações da burguesia, com métodos próprios do movimento operário greves, ocupações de terras e fábricas e, em muitos casos, mediante organismos autónomos de trabalhadores, de assalariados agrícolas e, em certo momento, de soldados.
Entre abril de 1974 e setembro de 1975 a revolução é marcada, do ponto de vista social, pela conquista das liberdades democráticas – asseguradas logo ao fim de poucos dias do golpe – e pela permanência de uma mobilização social onde a greve é a forma de luta determinante, bem como o início da luta contra os despedimentos. Dá-se a luta contra os despedimentos que leva à generalização da ocupação de empresas e ao reforço das comissões de trabalhadores como órgãos de poder paralelo ao do Estado.
A ocupação de fábricas e empresas obriga o Estado a mobilizar capitais para manter a produção. Aprofunda-se a crise económica.
A revolução é derrotada. E a democracia representativa faz o seu caminho sempre em prol da acumulação do capital nas mãos de uns poucos, com a acentuada pobreza da maioria da população, com a degradação dos poucos serviços públicos que ainda se vão a arrastar no calvário da sobrevivência, com a sucessiva perda do poder de compra de milhões, pensões miseráveis, desrespeito acentuado por quem honestamente trabalha, mas cujo salário são migalhas.
Dados oficiais anunciam que em 2023, a taxa de risco de pobreza em Portugal foi de 17%. Estima-se que em 2023 cerca de 1,8 milhões de portugueses viviam com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, ou seja, com 632 euros mensais ou menos.
E não venha a elite governativa atirar areia para os olhos com quaisquer medidas paliativas, pois os rendimentos dos cidadãos pobres continuam significativamente abaixo do limiar da pobreza. Ainda segundo dados oficiais, em 2024, 11% da população portuguesa encontrava-se em situação de privação material e social e 4% da população em privação material e social severa. Os grupos sociais mais vulneráveis são os desempregados, cuja taxa de risco de pobreza atingia os 44% em 2023, os reformados que em risco de pobreza eram em 2023 de 20%, as famílias monoparentais,  as crianças que em 2023 mais de 72 mil viviam em condições de privação material e social severa e ainda os cidadãos com baixo nível de escolaridade.
Lembrar aos populistas e demagogos que as transferências sociais, têm um papel crucial na redução da pobreza em Portugal. Sem estas transferências a taxa de risco de pobreza seria consideravelmente mais alta.
É importante lembrar que a distribuição da riqueza em Portugal é marcada por uma desigualdade abissal. Uma parcela considerável da riqueza nacional está concentrada numa pequena percentagem da população. Estudos recentes indicam que cerca de 5% da população detém 42% da riqueza produzida em Portugal, logo um dos países mais desiguais da União Europeia e da OCDE. Simultaneamente vamos a assistir à degradação de áreas como a saúde, a educação, a habitação e ao aumento do flagelo nacional que arrasa a frágil economia portuguesa, a corrupção.
Hoje em dia vale tudo desde que dê dinheiro, que a aldrabice é empreendedora, que a mentira é astucia, que o que interessa é boa comunicação, porque a verdade é irrelevante.
O 25 de Abril é hoje um feriado nacional em Portugal, o Dia da Liberdade, celebrado com desfiles, eventos culturais e manifestações populares, recordando um dos momentos mais marcantes da história do país.
Mas importa pensar que futuro queremos. Vamos fazer o nosso ato de resistência acreditando na ciência, na vida, na solidariedade e na poesia.
Vamo-nos refugiar em José Fanha:” Eu sou português aqui, mas nascido deste lado, do lado de cá da vida, do lado do sofrimento, da miséria repetida do pé descalço do vento. Nasci aqui no mês de abril quando esqueci toda a saudade e comecei a inventar em cada gesto a liberdade. Nasci aqui ao pé do mar duma garganta magoada no cantar. Eu sou a festa inacabada quase ausente, eu sou a briga, a luta antiga renovada ainda urgente. Eu sou português, aqui o português sem mestre, mas com jeito. Eu sou português aqui e trago o mês de abril a voar dentro do peito.”
Tenham uma excelente semana e uma comemoração séria do 25 de abril de 1974 sem punhos de renda, salamaleques, frases de salão e hipocrisias.