quarta-feira, março 12, 2025

Ponto de vista

Luís Montenegro ao comando da AD ganhou as eleições legislativas de 2024 com uma diferença para o PS de pouco mais de 54 000 votos. Esta chegada ao poder fez acreditar em muitos portugueses a promessa de mudança, mas em poucos meses já colecionava episódios que colocavam em causa a sua credibilidade e a confiança dos cidadãos. Depois de uma alteração da Lei dos Solos surgiram revelações reprováveis, ou mesmo ilegais, sobre o seu passado, envolvendo a empresa Spinumviva. A questão não é apenas se haverá uma crise política que leve a novas eleições legislativas. A verdadeira questão é a integridade política de quem governa o país e por extensão a todo o sistema político. Pode-se confiar num primeiro-ministro que, até há bem pouco tempo, recebia avenças mensais de empresas ligadas ao jogo e de outras entidades com as quais manteve relações comerciais antes de assumir funções governativas? E, num plano mais abrangente, podem os políticos continuar a proclamar um regime de transparência quando, na prática, este mais não é do que um exercício de opacidade institucionalizada? Os contornos deste, caso – e das relações pouco saudáveis de um primeiro-ministro, de membros do governo e outros políticos – deveriam inquietar qualquer cidadão atento. O histórico de Montenegro não é um exemplo de sólida integridade, sobretudo quando se consideram os sucessivos contratos públicos da sua sociedade de advogados. Enquanto líder da oposição, auferia remunerações regulares de entidades cujo sector depende, direta ou indiretamente, da regulação e ação do Estado. O conflito de interesses é evidente e a justificação, fraca. O primeiro-ministro apressou-se a garantir que tudo foi feito dentro da legalidade, como se isso, por si só, bastasse para ilibá-lo do problema ético maior: a perceção de que, antes de se sentar à mesa do Conselho de Ministros, estava comprometido com interesses privados. E os problemas não ficam por aqui. Veio a público mais um caso. Segundo o que é dado conhecer, e é muito pouco, há discrepâncias nas declarações de rendimentos enviadas pelo primeiro-ministro à Entidade para a Transparência, nomeadamente na compra de dois apartamentos em Lisboa. Os imóveis, avaliados em mais de 715 mil euros, foram pagos a pronto, sem recurso a crédito bancário. Porém, na aquisição de um deles, há um montante de 226 mil euros cuja origem não foi possível apurar. Confrontado com estas dúvidas, Montenegro saiu-se com a habitual evasiva: “A origem do meu património foi o trabalho. Não existem dados ou meios ocultos.”, fim de citação. Algo que já ouvimos de outros políticos e até recorrendo à figura da herança. Mas o mercadejar é ainda maior. Muito antes do caso Spinumviva, Montenegro já acumulava episódios a lançar sombras sobre a sua conduta. O primeiro-ministro beneficiou de isenções fiscais na construção da sua vivenda em Espinho. O pedido foi submetido à Câmara Municipal quando esta era liderada pelo seu amigo Pinto Moreira – que, por coincidência, está a ser julgado por corrupção. O parecer favorável foi posteriormente emitido pelo sucessor, o socialista Miguel Reis. Oficialmente, a obra foi licenciada como uma reabilitação, mas o que aconteceu foi uma construção nova: uma moradia de seis pisos perto da Praia Azul, que resultou da demolição de uma minúscula casa. O Ministério Público arquivou o caso, mas deixou muitas perguntas sem resposta. E quem se lembra do Galpgate? Em 2016, Montenegro, então líder parlamentar do PSD, foi um dos políticos apanhados na polémica das viagens pagas pela Galp para assistir ao Euro 2016. Apresentou mais tarde comprovativos de pagamento, mas há suspeitas de que os cheques foram emitidos apenas após o caso ter sido denunciado, com datas duvidosas e, nalguns casos, fora de validade. O inquérito foi arquivado em 2021, mas o rasto de desconfiança permanece. O problema, agora, é que Montenegro está politicamente ferido. Em vez de assumir responsabilidade, parece preferir colocar-se no papel de vítima. Como a moção de censura não passou, Luís Montenegro giza uma moção de confiança com o intuito único de provocar uma crise política, salvar-se da Comissão de Inquérito. Importa saber o que leva Luís Montenegro a tal estratégia. Sabe-se que segundo a lei ao primeiro-ministro é-lhe dada a faculdade de responder às perguntas dos deputados da Comissão de Inquérito por escrito. Ou seja, Montenegro não teria que estar presente na comissão. Segundo foi dado conhecer, houve a garantia que nem a esposa, nem os filhos seriam convocados para deporem, para segundo se diz não devassar a vida privada. Assim sendo, pergunta-se, o que teme Montenegro? Seja qual for o desfecho, o primeiro-ministro, que quis vender-se como um líder credível e confiável, está profundamente fragilizado. O PSD, num Governo minoritário sem rumo claro, encontra-se numa encruzilhada, talvez pedindo a todos os santos para não surgir mais um “elemento” que destrua o pouco que ainda resta da credibilidade de Montenegro. Marcelo dá uma grande ajuda. Já vai na terceira dissolução da Assembleia da República. A consumar-se mais uma, as eleições a existir serão sob a forma de referendo. Isso mesmo, proponho que em vez de surgirem no boletim de voto os vários partidos concorrentes, dever-se-ia perguntar ao povo português se acha que Luís Montenegro esteve ou não em exclusividade como primeiro-ministro e cometeu alguma ilegalidade com as avenças anunciadas. Mas para isso era necessário haver literacia política do povo. Que o povo estivesse completamente informado e com todos os elementos necessários para formular um juízo perfeito sobre tudo. Mas a transparência aqui como em tudo o que tem a ver com a vida dos portugueses é opaca, sempre a Bem da Nação, a deles os da elite.

Tenham uma excelente semana.