sexta-feira, março 28, 2025

Ponto de vista

 A 20 de dezembro de 2021 era publicada em Diário da República o regime geral de proteção de denunciantes de infrações, transpondo para a legislação nacional a Diretiva da União Europeia de 2019/1937. Lembrar que a Lei foi decretada pela Assembleia da República, promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa e teve a chancela do então primeiro-ministro António Costa. Tudo dentro dos conformes, obviamente! Lendo o âmbito da referida lei, considera-se infração os atos que prevejam, nomeadamente, crimes ou contraordenações, referentes aos domínios de contratação pública, serviços, produtos e mercados financeiros, prevenção do branqueamento de capitais. do financiamento do terrorismo, segurança dos transportes, proteção do ambiente, segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde pública, defesa do consumidor, proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação. Ou seja, um cardápio de atos enunciados que revelam a intenção clara de ser tão abrangente que nada protege. Mais uma vez decreta-se legislação para encher olhos e esvaziar barriga. Nada é para cumprir. Quanto ao objeto da lei importa conhecer o que o legislador chama denunciante. Denunciante é a pessoa singular que denuncie ou divulgue publicamente uma infração com fundamento em informações obtidas no âmbito da sua atividade profissional, independentemente da natureza desta atividade e do setor em que é exercida. Assim, e seguindo a lei em referência, podem ser considerados denunciantes, nomeadamente, os trabalhadores do setor privado, social ou público, os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção, os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais, ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos, voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados. Ainda segundo a lei, beneficia da proteção o denunciante que, de boa-fé, e tendo fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras, denuncie ou divulgue publicamente uma infração nos termos já referidos. Aqui chegados importa perceber como se processa e aplica a lei. Sempre, mas sempre em benefício dos donos dos poderes, dos chefes e outros que tais. Desde logo as denúncias de infrações são apresentadas pelo denunciante através dos canais de denúncia interna, externa ou divulgadas publicamente. O denunciante só pode divulgar publicamente uma infração quando tenha motivos razoáveis para crer que a infração pode constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público, que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida pelas autoridades competentes, atendendo às circunstâncias específicas do caso, ou que existe um risco de retaliação inclusivamente em caso de denúncia externa ou tenha apresentado uma denúncia interna sem que tenham sido adotadas medidas adequadas nos prazos previstos. Lembrar que também as autarquias com mais de 50 trabalhadores e com um número superior a 10 000 habitantes são obrigadas a possuir canais de denúncia e que os podem partilhar no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento. Podem! Percebido. Em resumo, o destino da denúncia, do denunciante e do denunciado não depende de nenhum deles, mas do diretor e do gestor que recebe a denúncia. Se ele não gosta de um dos dois, é esse que será perseguido. O sistema de denúncia não é uma arma dos trabalhadores para obter justiça, é uma arma de chantagem na mão dos diretores. Toda a denúncia vai ter o destino que o gestor e diretor quiser dar. Saberão que os hospitais, universidades, escolas, serviços públicos em Portugal já estão entupidos de denúncias? Mas tudo vai parar ao cesto dos papéis. As tais “caixinhas de denúncia” são usadas para perseguir quem se opõe aos diretores dessas instituições. Não servem para colmatar injustiças de todo o tipo. Se o diretor não gosta do denunciante vai atrás dele por calúnia, se não gosta do denunciado vai atrás dele com a denúncia, se quer exercer poder, cortar salário, aumentar o horário, vai fazer com que todos saibam, nos corredores, da denúncia que tem em mãos, para que todos, denunciados ou não tenham medo de um dia virem também a serem denunciados. A denúncia é a descrição na mão de quem já tem poder e que gere com base no medo e na chantagem. A denúncia é também o recurso dos cobardes, que querem safar-se sozinhos, na competição, fazendo favores ao gestor, muitas vezes é ele, o diretor, que estimula a denúncia oferecendo ao bufo um prémio, um “muito bom” na avaliação, um louvor, uma abertura de lugar, e quiçá a célebre “medalhinha” tão usual no nosso Portugal. Existe na nossa lei a figura da reclamação, não anónima, existem leis de trabalho, nada disso funciona ou funciona mal, mas existem. Esta lei, a da “caixinha de denúncias” é uma criação da União Europeia para aumentar o medo nos locais de trabalho. Que Costa a tenha introduzido em Portugal, transpondo uma diretiva, que nem sequer estava obrigado a fazer e na qual não votamos, diz o estado a que chegou o sistema político - podre. Mas, até hoje, que se saiba, nenhum partido se pronunciou sobre este mecanismo totalitário que agora é lei – neste país que durante a ditadura teve dezenas de milhares de informadores anónimos, os bufos. Um dia, como aconteceu a 25 de abril de 1974, os bufos e as suas “caixinhas” irão cair. Nem se duvide. Contudo, até lá muitos e muitos cidadãos irão sofrer a bem sofrer com as arbitrariedades de uma lei com interesses declarados. 

Tenham uma excelente semana.