A propósito do que se vai a ler e ouvir desde a apresentação de um livro e dos vómitos de certa canalha que quer o regresso ao passado de obscurantismo da ditadura, que vocifera contra o 25 de Abril, que descaradamente desdenha da liberdade conquistada nesse dia e da apresentação do programa do governo da AD, chefiado por Montenegro, lembrei-me do mito da caverna de Platão. Como se sabe, o mito da caverna de Platão é uma tentativa de explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos, aprisionados pelos sentidos e os preconceitos que impedem o conhecimento da verdade. No texto imagina-se um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com os braços, pernas e pescoços presos por correntes e voltados para a parede que ficava no fundo da caverna. Atrás dessas pessoas, existia uma fogueira e outros indivíduos que transportavam objetos, que tinham as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os prisioneiros ficavam a observar. Certa vez, uma das pessoas presas nesta caverna consegue libertar-se das correntes e sai para o mundo exterior. A princípio, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustam o ex-prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna. No entanto, com o tempo, ele acabou por se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, tomado por compaixão, decide voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações sobre o mundo exterior. As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram naquilo que o ex-prisioneiro contava e chamaram-no louco. Para evitar que as suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo. Como estavam presos, as pessoas só podiam enxergar apenas as sombras das imagens, julgando serem aquelas projeções a própria realidade. Para Platão, a caverna simbolizava o mundo onde todos os seres humanos vivem. As sombras projetadas no seu interior representam a falsidade dos sentidos, enquanto as correntes significam os preconceitos e a opinião que aprisionam os seres humanos à ignorância e ao senso comum. A alegoria de Platão pode ser interpretada como uma crítica aos que, por preguiça ou desinteresse, não questionam a realidade e aceitam as ideias impostas por um grupo dominante. O tal choque fiscal tão anunciado pela propaganda eleitoral da coligação da AD, com uma redução de 1 500 milhões de euros, foi um engano. Diz-se agora que o tal choque não passará de uns míseros 173 milhões de euros de poupança para os portugueses. Valor que a ser distribuído pelos vários escalões do IRS nem para um café chegará quanto mais para o dito alívio fiscal. Pior que o dinheiro não recuperado é a mentira associada. Mentiu-se descaradamente aos portugueses. E pior, os representantes dos portugueses, para os que se acham representados por uma choldra, deixaram-se enganar por tal escabrosa mentira. Nem ousaram questionar o valor astronómico anunciado. E se o fizeram, já em sede de discussão no parlamento, não obtiveram resposta do governo, mas também não insistiram na pergunta. Calaram e consentiram. Fazer dos portugueses acéfalos é algo que não dignifica esta democracia representativa e muito menos os seus representantes que se iludiram com tamanha patranha e que não conseguiram esclarecer o povo português. Até mesmo o anunciado IRS jovem é outro embuste, pois só vai ter efeito para os salários mais elevados. Os eleitores, com iliteracia financeira, podem sentir-se defraudados. Até podem! Mas já os jornalistas e, principalmente, os "especialistas", não podem estar defraudados. Se estão então demonstram a sua ignorância, os primeiros, e incompetência, os segundos. Mas a tragédia ainda agora começou e a alegoria da caverna continuará. As próximas cenas vão ser ainda mais graves. É só esperar.
Tenham uma excelente semana.