É
na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que
se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou
Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na
mentira matrimonial, etc... A mentira formou este ser, único em todo o
Universo: o homem antipático.
Actualmente,
a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se
nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio,
tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como
ordem social, pode praticar impunemente todos os assassinatos; como
utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.
A
mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta
omnipotente Majestade. Derrubá-la do trono, arrancar-lhe das mãos o ceptro
ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai
realizando dia a dia, sob a direcção dos grandes mestres de obras que se chamam
Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi,
Reclus, Bakounine, etc. etc. ...
Estas
palavras não são minhas, são de Teixeira de Pascoaes, na sua obra "A
Saudade e o Saudosismo", mas enquadram na perfeição a forma como a
administração da ULS da Guarda lidou com o recente caso da alegada morte de uma
bebé na nossa maternidade.
Numa
primeira fase essa administração convocou uma conferência de imprensa para
anunciar inquéritos conduzidos por autoridades exteriores ao hospital,
procurando fazer-nos acreditar numa investigação objetiva e transparente. No
entanto, foi o próprio ministério da Saúde, entidade que não deixa de ser parte
interessada no problema, sobretudo se houver indemnizações cíveis em causa, a
envolver-se através da ARS do Centro. Por aí se começou a suspeitar das
dificuldades em se chegar afinal à verdade.
Para
confirmar essas suspeitas, a administração não só assumiu dificuldades em
fornecer à Polícia judiciária as filmagens das câmaras de vigilância, como comunicou
ao Ministério Público o desaparecimento do primeiro registo dos batimentos
cardíacos da mulher que perdeu o bebé por alegada falta de assistência. Tal
dificulta enormemente o apuramento da verdade e faz tombar sobre a ULS a
suspeita de encobrimento. Sejam quais forem os desenvolvimentos seguintes, isto
é, mesmo que alguém encontrasse o que se julga ser o registo desaparecido,
todos suspeitaríamos da sua veracidade. Já ninguém acreditará nas conclusões de
um qualquer inquérito que eventualmente ilibe a instituição das
responsabilidades que as circunstâncias atuais aparentemente lhe atribuem.
Para
esta consequência muito contribuiu o facto de o próprio diretor clínico da
instituição nunca ter dado a cara em todo este processo. Simplesmente
desapareceu de cena, atitude no mínimo bizarra e desconhecida em qualquer outra
situação comparável de qualquer outro hospital, e no máximo de uma
indescritível falta de solidariedade institucional e denunciadora da implosão
funcional da liderança hospitalar.
Recordo
que foi sob a tutela desta administração que alegadamente desapareceu uma
ampola de hélio indispensável ao funcionamento do aparelho de ressonância
magnética e que ocorreu um escândalo sobre fuga de radiações num aparelho da
TAC a funcionar ilegalmente, entre muitos outros eventos e cenas que nunca
deveriam ter existido.
Todos
estes factos revelam a incúria e a incompetência que têm presidido aos destinos
do nosso hospital, desprestigiando por tabela quem honradamente trabalha
naquela instituição em prol de todos nós. As perguntas que se colocam numa
altura destas são curtas e boas: quem tem medo da substituição imediata da
administração do nosso hospital? Quem tem medo do apuramento de todas as
consequências dos factos ocorridos? Será que, mais uma vez, a culpa vai morrer
solteira?
Muito
bom dia a todos.
(Crónica na Rádio F - 27 de Fevereiro de 2017)