quarta-feira, março 22, 2017

Ponto de Vista


Muito se falou e escreveu nos últimos dias acerca da polémica que rodeou o dossier da substituição da administração da ULS da Guarda. A coisa estalou com a vinda a público de um e-mail no qual alegadamente a distrital do PS ameaçou retirar a confiança política ao ministro da Saúde por discordar da proposta em discussão. E digo alegadamente, porque hoje já se sabe que essa desconfiança se reportava apenas à administração em causa.

Vamos então aos factos e que depois cada um julgue por si.

O nome de quem se falava para presidir à administração era o de Isabel Coelho, atualmente responsável pela gestão da unidade de saúde familiar da Ribeirinha. Isabel Coelho terá tentado impor como diretora clínica a médica dermatologista Fátima Cabral. Ora, foi aqui que começaram os problemas. E porquê? Fátima Cabral foi a diretora clínica do consulado de Ana Manso, personagem há muito ligada ao PSD e detentora do triste recorde de ter presidido à mais curta administração de sempre do nosso hospital. De facto, a equipa de Ana Manso e de Fátima Cabral foi demitida por incompetência ao fim de menos de um ano em funções, tendo deixado como imagem de marca vários escândalos e muitos problemas na instituição.

Fátima Cabral apôs no passado a sua assinatura em diversas decisões, no mínimo, de muito duvidosa sensatez. Por exemplo, subscreveu o pedido de vinda do marido de Ana Manso para a Guarda e confirmou mais tarde a sua cedência pelo hospital de Castelo Branco. Aprovou a sua inenarrável nomeação para o cargo de auditor interno, e, quando a coisa deu para o torto, o seu discreto regresso a Castelo Branco!

Isto é, Fátima Cabral, que até achava muito bem que fosse um marido a fiscalizar os atos gestionários da esposa, esteve sempre disponível para tudo aquilo que Ana Manso achasse que precisava.

Além disso, contribuiu grandemente para prejudicar os interesses da própria instituição, ao não tomar decisões incontornáveis ou ao não se demitir quando não lhe permitiram que as tomasse. É do domínio público o caso da cirurgia, serviço que viu a sua idoneidade formativa ser-lhe retirada pela Ordem dos Médicos, exatamente por Fátima Cabral nunca ter conseguido resolver o problema da sua direção de serviço, que permaneceu por essa razão numa incompreensível gestão corrente.

Para piorar as coisas, e digo-o com todo o à vontade porque nem sequer fui eu quem politizou esta questão, Fátima Cabral apoiou-se no médico João Correia como assessor da sua direção clínica. Só por coincidência, João Correia foi à data uma das principais figuras da lista dissidente do PS de Virgílio Bento à Câmara, tendo por isso contribuído em muito para o que se seguiu e para a conquista da autarquia por Álvaro Amaro e pelo PSD.

Até a mim, que defendo acerrimamente a despartidarização deste tipo de cargos, me é impossível não compreender o absurdo de se defender que Isabel Coelho deveria poder – vá-se lá saber porquê – integrar um elemento com um currículo tão desastrado e incendiário na sua equipa.

Pode o PS local não ter agarrado nesta questão pelo ângulo mais correto, dando o flanco às acusações que depois choveram de todos os lados. Mas aceito, para mais conhecendo os riscos conflituais inerentes a uma eventual reedição do regresso de Fátima Cabral a este tipo de funções, que a escolha de Isabel Coelho é reveladora da falta de bom senso que já no passado caracterizou por vezes o desempenho institucional da médica.

Para tornar tudo isto num circo, veio o PSD local chorar lágrimas de crocodilo e atacar o PS com o argumento que em linguagem popular se chama de “corrida ao tacho”. Só a total ausência de pudor ou a inconsciência do ridículo podem explicar que um partido que se serviu nos últimos anos da ULS como agência privada de emprego para o presidente da câmara e seus amigos, venha agora atirar pedras sobre o telhado do vizinho.

O problema é que não só o circo não acabou, como continuamos sem administração nova. Nada a que a ULS não nos tenha já habituado. De facto, na Guarda há coisas que nunca mudam.

Muito bom dia a todos. 

(Crónica na Rádio F – 20 de Março 2017)