A
questão do fim dos programas-contrato para o ensino privado tem levantado muita
celeuma e dado azo a muita declaração ou tomada de posição relativamente
desligada da realidade. É por isso importante uma discussão séria e isenta
acerca do assunto. É que de educação todos parecem agora perceber. A velha
tradição portuguesa do treinador de bancada, aplicável a todos os temas da
vida, não ajuda ao esclarecimento.
Antes
de se formularem juízos, é imperativo ouvir os directamente interessados e
também os técnicos que, pela sua formação e pela sua experiência no terreno, podem
opinar com conhecimento de causa. De preferência, despidos de preconceitos e
desligados de interesses particulares.
Considero,
sem falsas modéstias, ser uma dessas pessoas. Pelo menos, ao contrário de
muitos que opinam por aí, sou licenciado em Educação e conheço a história do
ensino, dos motivos que conduziram a certas políticas ditas educativas, dos
caminhos traçados e dos resultados e impactos no desenvolvimento das
sociedades.
Como
ponto de partida importa dizer que o país vive uma situação de constrangimento
orçamental. Portugal é um país pobre – ou pelo menos muito mal governado – e por
isso vive, ou se quiserem, sobrevive, com balões de oxigénio. Mas o discurso da
necessidade de racionalizar recursos e de os distribuir de forma a promover uma
política educacional assertiva e impulsionadora do desenvolvimento económico do
país, não justifica tudo. Nem a discussão dos rankings e do tipo de provas de aferição
e de exames permitirá algum dia – num país como o nosso – afirmar que este
estabelecimento ou tipo de ensino é melhor do que aquele. Há demasiados factores
a distorcer a realidade para que tal seja possível.
Muito
menos se deve reduzir a discussão à questão do desemprego do pessoal docente
que pode advir de uma correção de certos excessos no sector privado que se
vinham praticando através de duplicação no uso de dinheiros públicos. É muito
mais importante salientar que a grande maioria do ensino privado não aceita
alunos com necessidades educativas especiais. E que o sistema está formatado
para que os alunos ditos difíceis sejam convidados, entre aspas, a abandonar as
instituições.
Importa
perceber que a qualidade do ensino tem tudo a ver com políticas educacionais,
como a redução do número de alunos por turma, os acompanhamentos pedagógicos, o
profissionalismo dos que exercem funções educativas, ou as alterações dos
currículos, tudo com o objetivo final de promover o gosto pela aprendizagem e a
criação de hábitos de trabalho individual e em equipa.
Mas
nem a eliminação dos Mega agrupamentos e a recuperação da ideia da estrutura
funcional do ensino por ciclos, respeitando o desenvolvimento cognitivo e
emocional das crianças, ou a perceção da importância do ensino profissional em
todo o processo, permitirão resolver todos os problemas. Isso só acontece se
formos capazes de perceber o que fez realmente o ensino privado ganhar tanto
terreno nos últimos anos.
Enquanto,
por exemplo, não tivermos transportes públicos adequados para as escolas do
Estado, horários de funcionamento adaptados aos ritmos de vida das famílias ou
oferta de qualidade no ensino artístico, não será possível combater o
demagógico discurso dos lóbis da educação privada. Ora, tal só é possível
aumentando o orçamento da escola pública e contratando as pessoas com as
capacidades necessárias. Caso contrário facilitaremos a falácia daqueles que argumentam
sistematicamente que se está a diminuir o acesso das crianças a escolas
privadas que oferecem o transporte, sem se garantir o autocarro para a escola
pública.
Se
nada se fizer neste capítulo, a direita encontrará o contexto social propício – quando um dia regressar ao poder –
para voltar a alimentar o negócio dos privados e a depauperar a escola pública.
E isso se for meiga. Porque se estiver no estado de espírito que agora a
domina, nem sei o que poderemos esperar…
Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio
F - 9 de Maio de 2016)