O
executivo camarário da Guarda aprovou o Relatório e Contas de 2015. De acordo
com a maioria PSD/CDS que governa a autarquia, registou-se uma redução da
despesa (ou será da dívida?) de cerca de 7 milhões de euros. Pelo contrário, a
oposição não reconhece qualquer mérito à governação de Álvaro Amaro, atribuindo
a mais um aumento de impostos os hossanas por este cantados à recuperação das
contas.
Entre
propaganda e folclore, ao munícipe menos enredado nestas politiquices fica pelo
menos a dúvida de como – com tantas festas e foguetes – pode a Câmara ter
reduzido em tal montante o seu descalabro financeiro.
A
verdade é que o IMI e outras taxas e taxinhas aumentaram bem mais do que a
capacidade dos guardenses para as pagar. E neste ufa-ufa do assalto ao bolso dos
munícipes, assistiu-se a mais uma prova de como é realmente impossível
deixarmos de sentir o bafo do Estado, mesmo durante o sono.
Foi
finalmente aprovado o imposto sobre suportes publicitários no exterior das
lojas. Pasme-se! Qualquer comerciante de pequena ou de média grandeza que tenha
ou queira vir a ter um suporte publicitário no exterior do seu pequeno comércio,
vai ter de pagar uma taxa. Isso mesmo. Por exemplo, aquela coisa vulgarmente
conhecida como toldo, que no verão serve para proteger os cidadãos e os
estabelecimentos comerciais do sol, vai pagar imposto. Por outras palavras, a
sombra vai ser taxada pela autarquia da Guarda, como se aqui houvesse melhor
sol que em Marrocos.
O
executivo camarário tem a prerrogativa de aprovar as taxas que muito bem quiser,
com o fatal argumento de que fazem falta ao equilíbrio das suas finanças. Por
este andar, um dia teremos este imposto da sombra aplicado a chapéus, bonés ou
gorros, daqueles que se usam para proteger do sol ou do frio. Ora, num cenário
destes, de autêntica esquizofrenia fiscal, dei comigo a pensar numa razão para
um qualquer cidadão mais moreno não vir invocar junto da Câmara o seu direito à
isenção. Senão vejamos. Se a sombra paga imposto, quem é bronzeado é porque a não
teve. E se não beneficiou dela, não pode naturalmente pagar tanto como os
outros… Perceberam?
Claro
que neste contexto nem vale a pena perguntar a Álvaro Amaro se não deveria
estar antes preocupado com a devolução de espaços públicos, nomeadamente passeios
pedonais, à população da Guarda? Ou com a regulamentação e taxas para as
esplanadas que ocupam lugares de estacionamento automóvel, numa cidade mais
apertadinha do que o orçamento de um pobre em terra de ricos?
Esta
história ridícula trouxe-me à memória impostos de outros tempos. Recordo-me de
o meu pai me falar de uma coisa chamada “licença anual para uso de acendedores
e isqueiros”. Tenho ainda lá em casa, perdida entre papéis da família, um
exemplar da dita-cuja referente ao ano de 1957. O impresso custava 50 centavos
e a licença era de 40 escudos, uma pequena fortuna para a época. Dizia uma
coisa do género “concedida ao senhor fulano tal, morador na rua tal, da
freguesia tal”. Era passada pela secção de Finanças. Curiosamente numa altura
em que Álvaro Amaro aprendia a ler.
Mas
se pensam que isto é demais, fiquem sabendo que a montante dessa licença havia
uma multa de 250 escudos para quem utilizasse os acendedores ou isqueiros sem a
respetiva autorização fiscal. E mais, 70% da multa revertia para o Estado e 30%
para o autuante. E se houvesse um denunciante, metade desses 30% era para ele. É
só lerem o Decreto-Lei n.º 28219, de 24/11/1937. Isso mesmo, 1937, a época
dourada do fascismo.
Em
1965 a Lei 2126, de 21 de Junho, promulgada por Américo Thomaz, veio
clarificar, e cito, “Em nome da Nação”, que, e cito novamente, “As multas
devidas por infração do artigo 1.º do Decreto-Lei 28219, de 24 de Novembro de 1937, não são convertíveis em
prisão”.
Nem
imaginam o meu alívio quando soube que ninguém será preso por causa de ter um
toldo sem licença da Câmara. Acho que Álvaro Amaro aprendeu realmente bem a
lição. Ai isso aprendeu.
Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio f - 02 de Maio de 2016)