Nos
tempos de crispação política a que vimos assistindo, tem-se acentuado a
narrativa, por parte de militantes da coligação PSD/CDS, de que é inaceitável
que qualquer governo de Portugal seja constituído com base em acordos com quem se
manifeste programaticamente contra os tratados internacionais, nomeadamente
aqueles que consagram a permanência de Portugal na União Europeia, no Euro e na
NATO.
Não
me preocupa minimamente, por buçal e estapafúrdia que é, tal narrativa. Nem que
uma direita pafiosa e bolorenta ainda não tenha conseguido compreender, mais de
40 anos volvidos sobre o 25 de Abril, que numa democracia madura nenhum voto
pode ser excluído do poder representativo ao nível da governação, a não ser
pela óbvia ponderação da relação de forças no Parlamento.
Do
mesmo modo, não me preocupa a incoerência das posições da direita sobre esta
matéria. Bem sei que esquecem que o CDS/PP votou contra a primeira Constituição,
logo em 1976, e que isso não o impediu de integrar diversos governos, incluindo
com o partido socialista, em 12 dos muitos anos que desde então decorreram. E
que não reconhecem que, ao contrário da nossa Constituição, nunca a adesão à
União Europeia, ao Euro ou à NATO foram submetidas diretamente à decisão dos
Portugueses.
Com tanta falha de memória não me espanta
mesmo nada que a direita tenha desrespeitado profundamente a Constituição que –
essa sim – foi um dia sufragada por todos nós. Nem que continue a agitar o
papão dos partidos que comem criancinhas ao pequeno-almoço ou que vão afundar
um país que já se encontra enterrado até às orelhas numa dívida pública que nem
4 gerações de portugueses a trabalhar em regime de escravatura seriam capazes
de pagar nos próximos 100 anos…
Não me espanta que esta direita atrasada e
retrógrada tenha a boca sempre larga para o corte nos salários, o não aumento
do salário mínimo, o congelamento das pensões, o esvaziamento dos direitos
sociais e outros mecanismos de empobrecimento da classe média, em contraponto
ao dinheiro que nunca falta para salvar bancos, sobretudo se estes tiverem tido
relações perigosas com políticos corruptos ou com o dinheiro que lubrifica os
mais obscuros negócios de privatizações de setores estratégicos da nossa
economia…
Por
último, não me espanta que esta direita se manifeste histericamente, com o
apoio de uma substantiva parte da comunicação social do regime, como se o mundo
estivesse para acabar por obra e graça de um imenso asteroide ou qualquer outro
cataclismo de galácticas proporções.
O
que me espanta realmente é que em Portugal a extrema-direita nunca tenha tido
expressão eleitoral. E não me digam que isso se deve ao efeito vacinal de uma
ditadura fascista de 48 anos, porque a Grécia passou por uma infelicidade algo
parecida à nossa sob o regime dos coronéis, e mesmo assim tem hoje um partido
neo-nazi que capitaliza 12% dos votos…
Em
Portugal, o centro político colapsou. E não foi por radicalismo da esquerda,
muito pelo contrário. Uma esquerda que até aceita apoiar um partido socialista
com políticas económicas de direita e posições totalmente opostas em relação à
NATO, União Europeia e moeda única!
O
que aconteceu foi que, finalmente, percebemos por onde anda a extrema-direita
que existe em todos os países da Europa, desde os 25% da França, aos cerca de
30% da Noruega, passando pelos 20% da Áustria, 15% da Hungria, ou 13% da Finlândia,
entre outros.
O
facto de não haver representação partidária de extrema-direita nos órgãos de
representação política internos e externos não significa que a sua agenda
política não esteja a ser colocada em práxis. O PSD e o CDS desempenham cada
vez mais essa função. Percebo agora melhor por que razão disse um dia Bertolt Brecht
que “não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado”…
Muito bom dia a todos.
(Crónica na rádio F - dia 2 de Novembro 2015)