Quem não se recorda, aqui há
uns meses atrás, do pomposo anúncio protagonizado pela ministra das Finanças, acerca
de uma esperada devolução, em 2016, em parte ou no todo, da denominada sobretaxa
de IRS?
Importava na altura dar a noção
de uma consolidação confiável das contas públicas, pretendendo-se que vingasse publicamente
a ideia do mérito das políticas de austeridade no esperado sucesso de tal
proposta. A apoiar esta estratégia estavam as constantes declarações de Passos
Coelho e de Paulo Portas, sempre no sentido de um inamovível apoio às teses de
que, por ação do governo, estávamos a sair da crise e que por isso os
portugueses deveriam confiar novamente o seu voto aos partidos da coligação.
Do outro lado da barricada
estavam aqueles que descriam no sucesso de tais políticas e que sempre
defenderam que uma austeridade desproporcionalmente suportada pela classe média
só nos conduz a lado nenhum. Chamaram inclusivamente a atenção, à medida que os
números projetados em cada mês para a referida devolução de sobretaxa apoiavam
– aparentemente – as teses de Passos Coelho, para aquilo que consideravam ser uma
fraude em curso com o objetivo de manipular expectativas e estados de espírito
em vésperas de um ato eleitoral.
Os próprios trabalhadores dos
impostos, ou pelo menos alguns deles, trouxeram a público a suspeita de
retenção indevida de reembolsos de IVA às empresas, como o objetivo de empurrar
com a barriga a realidade para mais adiante, se possível bem para lá do dia 4
de outubro. Foram veementemente desmentidos e até maltratados pelo governo
passista.
Agora, mais perto do fim do
ano, e tendo já como distante o referencial das eleições passadas, a realidade
impôs-se. A devolução de sobretaxa antes prometida com pompa e fanfarra vai,
afinal, ser igual a zero.
Claro que o assunto não podia ficar por aqui.
Por um lado, porque Passos Coelho e companhia não foram capazes de explicar
como é que se passa de uma expectativa por eles anteriormente subscrita, de 35%
de devolução, para zero % em tão pouco tempo. Em segundo lugar porque vivemos
tempos conturbados, e porque o comportamento de uma direita cada vez mais
parecida com certos “pinochismos” alimenta uma fornalha de ataques e
contra-ataques em que tudo serve para fazer de lenha.
É evidente que quanto mais Passos Coelho nos
tenta convencer de que a proposta nada tinha a ver com as eleições, menos nós
acreditamos nele. Essa descrença é proporcional ao empenho colocado pelo PSD e
pelo CDS na defesa da ideia da devolução e da sua correlação com a alegada boa
governação de que éramos beneficiários. Como o governo não reconheceu que a
sobretaxa afinal não vai ser devolvida por ter governado mal, nem arranjou
melhor explicação para o fracasso total das expectativas que irrealisticamente
criou, só nos resta acreditar realmente na teoria da fraude.
O mais triste de tudo isto nem sequer é o facto
de termos corrido o risco de sermos enganados, mais uma vez, pelo batoteiro
político que se revelou em Passos Coelho. Os portugueses, já escaldados desde
as promessas nunca cumpridas de 2011, despediram-no com menos 800 mil votos no
dia 4 de outubro. Nem o facto de o próprio presidente da República ter
conseguido desvalorizar ainda mais a sua já paupérrima credibilidade, ao afirmar
que a quase garantida devolução da sobretaxa era, e cito, "uma boa
notícia".
O mais triste é mesmo o facto de estarmos a
falar da devolução de um roubo como se essa devolução contivesse, caso por
absurdo tivesse podido acontecer, algum mérito em si mesma. Realmente, e aí
honra seja feita a Passos Coelho e a Cavaco Silva, só se devolve aquilo que se
rouba. Pode é o mérito da coisa ser, como foi, igual a zero. O que é mau. É que
diz o povo, até entre ladrões tem de haver alguma honra.
Muito boa semana para
todos.
(Crónica na Rádio F - 23 de Novembro 2015)