Miguel
de Unamuno disse um dia que a má chaga cura-se, a má fama mata. Estas palavras
assentam que nem um penso à triste situação a que chegou o nosso hospital.
Infelizmente, a Guarda continua a ser notícia pelas piores razões.
Senão
vejamos…
Há
cerca de dois anos foi instalado no Hospital Sousa Martins um equipamento de
ressonância magnética que custou aos contribuintes portugueses a módica quantia
de um milhão de euros. Logo de início se questionou – e pelos vistos, bem – a
razão para a compra do equipamento sem primeiro se ter aberto o necessário concurso
para a vinda de médicos radiologistas que soubessem operar o aparelho. Com a pompa
e circunstância que sempre convêm às manobras de propaganda política, o
aparelho foi ainda assim instalado, mas, como se compreende, nunca funcionou.
Finalmente,
em agosto deste ano chegou à Guarda um médico habilitado para trabalhar com o
aparelho. Só então se deu conta da falta de hélio no aparelho, um gás inodoro e
incolor necessário para o arrefecimento dos ímanes da máquina por forma a
obter-se uma imagem de ressonância de elevada qualidade.
Uma
vez que a empresa fornecedora já declinou qualquer responsabilidade, a ULS terá
agora de despender mais 100 mil euros para tornar o aparelho novamente
operacional, dinheiro que por não constar do orçamento só poderá ser retirado a
outros setores. Se antes tínhamos aparelho e não tínhamos médico, agora temos
médico, mas não temos aparelho…
É
neste trocadilho de azares que a ULS resolveu solicitar a intervenção da Inspeção
Geral das Actividade em Saúde e da Polícia Judiciária, para que se desvende o
mistério de um gás que até agora ninguém viu nem cheirou.
No
entretanto, quem lucra com a situação são interesses privados a quem, pasme-se,
nunca falta gás para atender os doentes a quem o hospital público não consegue
prover. Claro que serão tudo apenas coincidências. Longe de mim imaginar
cambalachos ao mais alto nível para defender monopólios e aumentar lucros, ou
suspeitar que as instituições que agora investigam este caso nada encontrem,
como aliás é de bom-tom numa briosa democracia como é a nossa. E se dúvidas
ainda houvesse sobre a qualidade e desprendimento das nossas instituições e
políticos, aí está um deles a deitar uma acha para a fogueira que, com hélio ou
sem ele, vai consumindo a esperança dos portugueses, sempre com recurso ao
nosso hospital…
Álvaro
Amaro, sempre entretido a colocar os seus boys e girls onde convém, resolveu, não
sei se para nos distrair de tudo isto, arengar publicamente o seu aborrecimento
pela ausência de uma proposta de criação do Centro Universitário que englobaria
os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco. Claro que nada disse sobre o
facto de uma especialidade nuclear como a cirurgia, de especial importância
para a Unidade Local de Saúde da Guarda e vital no contexto do tão desejado Centro
Universitário, continuar sequer sem idoneidade para formar cirurgiões.
Em
contraponto ao desalento politicamente correto de Álvaro Amaro, o presidente da
ARS do Centro, José Tereso, talvez pouco habituado às subtilezas inerentes às
negociatas de bastidores, resolveu atirar, um pouco à bruta, as culpas dessa
omissão para cima dos profissionais de saúde. Isso mesmo! Os profissionais da
Guarda são os responsáveis pelo atraso na criação do pólo de Saúde da Beira
Interior. Não os da Covilhã ou de Castelo Branco, apenas os da Guarda! Claro
que não explicou o que motivaria os profissionais da cidade mais alta a tal
atitude, mas pelo menos ficámos a saber que a culpa, tal como no caso do hélio,
nunca é do governo, nem da ARS do Centro, nem do super-homem político cá do
sítio…
Os
profissionais não passam afinal de terroristas e sabotadores que por aí andam,
escondidos atrás de doentes e de biombos, muito provavelmente infiltrados do
Estado Islâmico ou de coisa pior. E se calhar até foram eles, porque trabalham
no público, quem fez o favor de um dia fazer desaparecer o hélio que agora beneficia
o privado…
Muito bom dia.
(Crónica na rádio F - 19 de Outubro 2015)