quarta-feira, outubro 21, 2015

Ponto de vista


Miguel de Unamuno disse um dia que a má chaga cura-se, a má fama mata. Estas palavras assentam que nem um penso à triste situação a que chegou o nosso hospital. Infelizmente, a Guarda continua a ser notícia pelas piores razões.
Senão vejamos…
Há cerca de dois anos foi instalado no Hospital Sousa Martins um equipamento de ressonância magnética que custou aos contribuintes portugueses a módica quantia de um milhão de euros. Logo de início se questionou – e pelos vistos, bem – a razão para a compra do equipamento sem primeiro se ter aberto o necessário concurso para a vinda de médicos radiologistas que soubessem operar o aparelho. Com a pompa e circunstância que sempre convêm às manobras de propaganda política, o aparelho foi ainda assim instalado, mas, como se compreende, nunca funcionou.
Finalmente, em agosto deste ano chegou à Guarda um médico habilitado para trabalhar com o aparelho. Só então se deu conta da falta de hélio no aparelho, um gás inodoro e incolor necessário para o arrefecimento dos ímanes da máquina por forma a obter-se uma imagem de ressonância de elevada qualidade.
Uma vez que a empresa fornecedora já declinou qualquer responsabilidade, a ULS terá agora de despender mais 100 mil euros para tornar o aparelho novamente operacional, dinheiro que por não constar do orçamento só poderá ser retirado a outros setores. Se antes tínhamos aparelho e não tínhamos médico, agora temos médico, mas não temos aparelho…
É neste trocadilho de azares que a ULS resolveu solicitar a intervenção da Inspeção Geral das Actividade em Saúde e da Polícia Judiciária, para que se desvende o mistério de um gás que até agora ninguém viu nem cheirou.
No entretanto, quem lucra com a situação são interesses privados a quem, pasme-se, nunca falta gás para atender os doentes a quem o hospital público não consegue prover. Claro que serão tudo apenas coincidências. Longe de mim imaginar cambalachos ao mais alto nível para defender monopólios e aumentar lucros, ou suspeitar que as instituições que agora investigam este caso nada encontrem, como aliás é de bom-tom numa briosa democracia como é a nossa. E se dúvidas ainda houvesse sobre a qualidade e desprendimento das nossas instituições e políticos, aí está um deles a deitar uma acha para a fogueira que, com hélio ou sem ele, vai consumindo a esperança dos portugueses, sempre com recurso ao nosso hospital…
Álvaro Amaro, sempre entretido a colocar os seus boys e girls onde convém, resolveu, não sei se para nos distrair de tudo isto, arengar publicamente o seu aborrecimento pela ausência de uma proposta de criação do Centro Universitário que englobaria os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco. Claro que nada disse sobre o facto de uma especialidade nuclear como a cirurgia, de especial importância para a Unidade Local de Saúde da Guarda e vital no contexto do tão desejado Centro Universitário, continuar sequer sem idoneidade para formar cirurgiões.
Em contraponto ao desalento politicamente correto de Álvaro Amaro, o presidente da ARS do Centro, José Tereso, talvez pouco habituado às subtilezas inerentes às negociatas de bastidores, resolveu atirar, um pouco à bruta, as culpas dessa omissão para cima dos profissionais de saúde. Isso mesmo! Os profissionais da Guarda são os responsáveis pelo atraso na criação do pólo de Saúde da Beira Interior. Não os da Covilhã ou de Castelo Branco, apenas os da Guarda! Claro que não explicou o que motivaria os profissionais da cidade mais alta a tal atitude, mas pelo menos ficámos a saber que a culpa, tal como no caso do hélio, nunca é do governo, nem da ARS do Centro, nem do super-homem político cá do sítio…
Os profissionais não passam afinal de terroristas e sabotadores que por aí andam, escondidos atrás de doentes e de biombos, muito provavelmente infiltrados do Estado Islâmico ou de coisa pior. E se calhar até foram eles, porque trabalham no público, quem fez o favor de um dia fazer desaparecer o hélio que agora beneficia o privado…
Muito bom dia.
 
(Crónica na rádio F - 19 de Outubro 2015)