Quando
vejo, leio e ouço louvores quase unânimes à comissão parlamentar de inquérito
ao caso BES, fico preocupado.
Não
porque se tenha tornado um lugar-comum afirmar que a comissão fez o seu
trabalho o melhor que pôde e que soube. Mas sim porque, de facto, a comissão
limitou-se a fazer aquilo que lhe deixaram fazer.
E
por isso, a montanha, se não pariu um rato, andou por lá perto. É que as
conclusões confirmam apenas os piores receios que já tínhamos. O rato, esse, a
bem dizer, continua à solta.
Ricardo
Salgado, apesar de ser considerado internacionalmente o pior gestor do mundo
depois de Robert Madoff, continua a comportar-se em Portugal como um rei com
dois olhos em terra de cegos.
Num
escândalo com a dimensão que se conhece, que causou à sociedade danos de
milhares de milhões, porque não há ainda contas congeladas ou património
confiscado? E sabendo-se que o Estado está sempre um passo atrás das
manigâncias financeiras, mundo obscuro onde é facílimo esconder ou manipular
números, por que razão não há ainda gente detida?
Ou
isso só vai acontecer quando tiverem desaparecido todas as provas?
Não
é assim de estranhar que sejam cada vez menores as esperanças de virmos a
conhecer uma explicação credível para tudo o que aconteceu…
Ricardo
Salgado conseguiu sair de todo este caos tão ou mais rico do que antes,
livrando-se pelo meio dos graves problemas penais que enfrentaria noutros
países.
Foi
ao Parlamento depor e aí discursou com sobranceria, desprezando os deputados e os
lesados de mais este escândalo financeiro, conseguindo nada esclarecer.
Mas
não foi o único.
Zeinal
Balva, outro artista do circo, conseguiu reduzir a comissão a um bando de principiantes!
A
pergunta que emerge, perante tudo o que se passou, é: que trunfos terão Salgado,
Bava e outros, para poderem agir com tanta arrogância e impunidade?
Ficaram
por fazer perguntas cirúrgicas, destinadas a clarificar o papel de certos atores
da política e da Administração Pública.
Continuamos
sem perceber como foi possível o BES ter transferido para Angola três mil
milhões de euros, na maior operação de fuga de capitais que se conhece, mesmo
debaixo do nariz do Banco de Portugal.
E
sem saber qual o papel desempenhado neste escândalo pelas pessoas que, no governo,
autorizaram o abate ilegal de sobreiros para viabilização do negócio
imobiliário da ‘Vargem Fresca’, uma das jóias da família Espírito Santo…
Continuamos
também a desconhecer a identidade dos portugueses subornados aquando da compra
de submarinos intermediada pela ESCOM.
Ou
o teor da intervenção do ex-ministro Miguel Relvas na privatização da EDP e
qual a sua ligação ao BES.
Ou
as verdadeiras razões para ter sido o BES a financiar os estudos de Durão
Barroso em Georgetown.
Finalmente,
continua por explicar convincentemente o papel desempenhado pelo BES nas muitas
parcerias público-privadas, tão ruinosas para o Estado e para o futuro dos
nossos filhos e netos.
E
se perguntarmos para onde foi o dinheiro proveniente de tanto negócio obscuro,
então é que nos apercebemos de como tanta coisa ficou por explicar.
Perante
uma Comissão Parlamentar de Inquérito obsequente, Salgado fez o seu número.
As
perguntas pareciam escolhidas por si. Assumiu um ar professoral e usou os
deputados como figurantes das suas manobras para influenciar e manipular a
opinião pública.
Só
poderia haver uma razão para Salgado para ter sido permitido agir deste modo:
ter poder, muito poder, ter na sua lista de pagamentos – em avenças, favores,
prebendas, empréstimos sem garantias ou outros privilégios – muitos políticos e
seus familiares…
A
esta situação a que chegámos assentam que nem uma luva as palavras de um livro
intitulado “Como se Levanta um Estado”. Oiçam só: “E como é da essência mesma
do poder procurar manter-se, haverá sempre um número mais ou menos grande de
princípios que o poder não deixará discutir, isto é, a propósito dos quais a
liberdade não existe”.
Nem
de propósito, o autor do livro chamava-se António de Oliveira Salazar…
Tenham
um muito bom dia.
(Crónica
na Rádio F – dia 27 de Abril de 2015)