domingo, fevereiro 06, 2011

Memórias

Sou dos que pertencem a uma geração que teve o privilégio de poder comprar o Diário de Lisboa, ler um Mário Castrim, que causticamente criticava uma televisão bacoca, que embrutecia a população.
Castrim era, sabíamo-lo bem, um comunista convicto.
Que importava?
Sabia escrever e fazia-o com mestria.
Até sempre Castrim e, já agora, obrigado pelo que nos ensinaste mesmo, já  na altura não concordando, politicamente contigo.
Mas isso não era o importante.
Importante foi que NUNCA QUEBRASTE!!!
Fica a tua postura frontal.
Obrigado.

A fábula do tigre esquecido
Estava o tigre doente
coisa que sucedia raramente
Os seus vassalos todos
todos se desfaziam em bons modos.
Não faltavam visitas
ofertas esquisitas
cartas, mil, telegramas, mil honores
e flores, flores, flores….

Dizia o tigre aos seus botões doirados:
«Quanta dedicação
Vassalos bem amados
À causa da Nação!
O amor que eles me têm!
Afinal, a doença foi um bem.
Só assim pude ver
O que nunca chegara a perceber:
Com uns vassalos tais e tão bacanos
Minha memória vai durar mil anos»

(…Lá vinham, as visitas
oferendas esquisitas
cartas mil, mil honores
e flores, flores, flores…)

O que ninguém esperava, sucedeu:
O Rei Tigre morreu.
Julgava-se que estava engripadote,
Enfim, constipadote
Perdia forças – e em manhã de brumas
Ficou quietinho e sem forças nenhumas.


«Um tigre, um tigre morto
- disse alguém consigo
Não dá conforto
E não dá perigo»

Assim pensaram todos, se não erro:
Ninguém foi ao enterro,
foram dar vassalagem nesse dia
à Raposa Real que sucedia
e viu-se que levavam nas visitas
ofertas esquisitas
cartas mil, mil horrores
(desculpem!) mil honores
e flores, flores, flores….

Esta é a história verdadeira de um
tigre que se vestiu de eternidade.
Sonhou mil anos, não teve nem um.
Quem é que dele sente uma saudade?
Só a bondade os tempos atravessa.
Quem tiver garra
em vida pode tocar bem guitarra…
mas esquece depressa.

Mário Castrim