Alguém se pode intitular o dono da verdade?
Alguém pode, no seu juízo normal, mandar destruir documentos que, daqui a alguns anos podem merecer interesse histórico?
Segundo o jornal «O Público», a ordem de destruição dos CD com as gravações das conversas telefónicas entre Armando Vara e o primeiro-ministro, José Sócrates, não foi ainda cumprida.
A ser assim, espera-se e deseja-se que haja verticalidade.
Apesar da ordem do presidente do Supremo ser de Setembro, os registos mantêm-se no processo e há dúvidas sobre se a decisão deverá ser cumprida.
A 3 de Setembro, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, emitiu um despacho determinando a destruição, que o Procurador-Geral da República enviou para o DIAP de Aveiro.
A Polícia Judiciária - a quem caberá executar a destruição - ainda não recebeu um ofício selado do juiz de instrução criminal de Aveiro.
Aliás, este mesmo magistrado colocou há dias no seu site (http://www.lugardotrabalho.com/) um acórdão do Supremo Tribunal a fixar jurisprudência sobre a matéria. A decisão estabelece que, "durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção".
Destruir ou não as gravações não é consensual. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, defende a conservação de escutas nestes casos.
Uma coisa, no entanto, deve ficar bem claro.
Uma coisa é o valor judicial das escutas outra, não menos importante, é o valor histórico das mesmas. Esse valor, nenhum lambe-botas o pode negar.
Para futuro, aqui fica a cronologia do caso das escutas:
Março (vários dias) - Escutas da PJ no caso Face Oculta registam telefonemas entre Armando Vara e José Sócrates. As conversas que o DIAP de Aveiro considerou mais relevantes versam sobre a venda da TVI e questões financeiras do grupo Global Notícias.
24 Junho - Depois de várias conversas sobre a matéria, o procurador-geral, Pinto Monteiro, reúne-se (11h00) com o procurador distrital de Coimbra e o procurador do DIAP de Aveiro, para decidir o que fazer às escutas em que aparece José Sócrates.
24 Junho -Questionado no Parlamento, Sócrates diz nada saber sobre o negócio da PT para a compra da TVI aos espanhóis da Prisa. A líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, diz não acreditar que esteja a falar verdade.
25 Junho - Presidente da República quer que a PT explique o que se está a passar com o negócio da TVI.
25 Junho - Prisa recua na demissão de José Eduardo Moniz, depois de antes ter anunciado que tinha tudo acertado com ele para deixar a direcção da TVI.
26 Junho - DIAP de Aveiro remete ao procurador-geral a primeira certidão.
26 Junho - Primeiro-ministro anuncia que mandatou o ministro da Obras Públicas para comunicar à PT que o Estado vetaria o negócio de compra da TVI.
3 Julho - DIAP de Aveiro remete a segunda certidão. Acompanham-nas 23 CD com gravações de escutas, seis das quais envolvem José Sócrates.
23 Julho - Pinto Monteiro decide remeter as escutas ao presidente do STJ, suscitando a questão da sua validade.
24 Julho - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas por 10 CD.
5 Agosto - Presidente do STJ, Noronha Nascimento, recebe, em mão, o dossier relativo às duas primeiras certidões.
3 Setembro - Presidente do STJ decide não validar a gravação e transcrição das escutas, julga nulo o despacho do juiz de Instrução de Aveiro sobre a extracção de cópias da gravações e ordena a destruição de todos os suportes.
10 Setembro - PGR recebe mais duas certidões, acompanhadas de cinco CD.
9 Outubro - PGR recebe mais uma certidão e dois CD.
30 Outubro - Pinto Monteiro pede informações e elementos complementares ao DIAP de Aveiro e ordena o cumprimento da decisão do presidente do STJ.
2 Novembro - PGR recebe mais uma certidão.
13 Novembro - Semanário Sol afirma que "Sócrates mentiu ao Parlamento sobre a TVI". Primeiro-ministro diz que "isto está a passar das marcas" e exorta Pinto Monteiro a esclarecer o país.
13 Novembro - Procurador-geral recebe as informações e elementos complementares. Incluem relatórios e 146 conversações/comunicações, cinco delas respeitantes ao primeiro-ministro
14 Novembro - Comunicado do Procurador-Geral dando conta de todos os passos da questão das certidões e de que não encontrou, nas duas primeiras, "indícios probatórios que levassem à instauração de procedimento criminal". Promete uma "análise global" até ao final desta semana.
Aguarda-se. Não demorem é muito, já cheira mal, muito mal.