domingo, novembro 06, 2022

Ponto de Vista

Na última visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Timor, o presidente da República Portuguesa convidou os timorenses a virem para Portugal pois trabalho não falta. 
A ilusão da porta de entrada para um oásis estava aberta. Marcelo, Presidente da República de Portugal, sabe que em política não vale tudo, muito menos criar falsas expectativas.
Ora, face à grave crise económica, financeira e social que se vive em Timor, as palavras de Marcelo foram a música celestial para a entrada no paraíso terrestre. 
A atitude de Marcelo é mais uma das muitas falsas e hipócritas crenças num futuro melhor num momento em que todo o mundo, sem excepção, vive das piores crises que há memória. Portugal tinha e tem, ainda nas palavras de Marcelo, lugar para dar «trabalho» aos timorenses. Mentiras. 
O discurso do presidente foi rapidamente "aproveitado por agiotas locais, proprietários ou associados de agências de viagens, que colocaram imagens oficiais a circular nas redes sociais e se prontificaram a financiar a vinda dos timorenses". Mais, Marcelo não disse que os hipotéticos empregos são pagos com ordenados de miséria. Nem para a alimentação chegam, nem para uma habitação condigna quanto mais pagarem os empréstimos que os timorenses contraíram para irem na cantiga da cigarra, ou pior, do escorpião venenoso.
Como se pode fazer a oferta de trabalho a um povo longínquo, quando os próprios portugueses abandonam o seu país por lhes serem pagos ordenados de miséria? Segundo dados recentemente conhecidos e, falando só no caso dos timorenses, entre Março e meados de Outubro deste ano chegaram a Portugal mais de 4700 e muitos já saíram de Portugal. 
É que, ao contrário das promessas de Marcelo, as condições de vida são duras, o salário não chega aos 130 euros, o desemprego é generalizado e não há perspetivas de futuro. Segundo palavras hábeis e cobertas de hipocrisia de Catarina Mendes, ministra do governo de Costa, e passo a citar «542 timorenses estão em “alojamentos com dignidade”, enquanto os restantes permanecem em soluções “com menos dignidade” como alojamentos coletivos ou pousadas da juventude», fim de citação. 
Tudo dito! 
Mais de metade dos timorenses estão a viver em situações de miséria. O que é isso «com menos dignidade»? NA RUA? Ao frio, à chuva e sem respeito pelo ser humano? Onde ficam os DIREITOS HUMANOS? E a ministra remata a intervenção dizendo esta coisa estapafúrdia e anedótica, se não fosse deveras trágica, «as autoridades estão a actuar». 
Que actuação? 
Não basta dizer-se que, e passo a citar, «a questão é humanitária e ao longo destes meses não temos parado para dar resposta aos que aqui chegam e não têm condições”. 
Mais uma falsidade! Como se compreende que mais de 700 timorenses estejam a viver em «condições com menos dignidade», segundo palavras da própria ministra? Mas a incongruência e a falta de responsabilidade da ministra ainda se revela mais quando, e é pertinente recordá-lo, há poucos meses a mesmíssima ministra dizia com toda a segurança e passo a citar «que o tráfico de seres humanos não era um problema no país”. 
Tudo esclarecido! 
Basta lembrar, aos menos atentos, como são contratados cidadãos de países da África e da Ásia para serem explorados em trabalhos agrícolas por todo o país ou por essa Europa. Aliás, as redes existem e actuam impunemente e as autoridades policiais nada fazem, sendo que em muitos casos actuam de forma brutal, por motivos criminosos e não de protecção, contra cidadãos indefesos. 
A história é quase sempre a mesma: os imigrantes chegam através de redes de tráfico humano e vêm atrás de promessas não cumpridas. 
Nos países de origem, deixam a família como refém dos agiotas. 
Uma grande fatia são casos de polícia. 
Aliás a própria ministra admitiu que, e passo a citar, « temos, nos centros de acolhimento e proteção a vítimas, cinco estruturas pelo país com 48 vagas, que acolheram até setembro de 2022, 42 pessoas: 29 vítimas de exploração laboral, três de exploração sexual, duas de crime violento e oito de servidão ou mendicidade”. 
É necessário dizer mais alguma coisa? 
Portugal é um entreposto de tráfico de seres humanos para os mais diferentes países. Mas tudo se procura esquecer num ápice. 
Hoje o presidente de Timor-Leste chega a Portugal e a Web Summit está à porta e a limpeza da cidade já começou, escondendo os que dormem nas ruas. Ou seja, varre-se tudo o que incomoda e mostra a decadência do sistema para debaixo dos tapetes. Para que tudo reluza como a prata. Mas é lata, muita lata. A hipocrisia no seu verdadeiro esplendor. Mas que nojo. 
Tenham uma excelente semana.

( Crónica Rádio F - 31 de Outubro de 2022)