quinta-feira, junho 02, 2022

Ponto de vista

Ao fim de 20 anos da entrada em circulação do euro em Portugal importa analisar quem efectivamente lucrou com tal facto histórico. Lembrar que foi no dia 1 de Janeiro de 2002 que entraram em circulação as moedas e notas de euro. Portugal aderiu à moeda única três anos antes, em 1999, data em que formalmente deixou de ter uma moeda, um banco central, uma política monetária,financeira e cambial independentes. No entanto, o numerário físico em euros, em vez de escudos só foi introduzido no começo de 2002, sendo essa data que os portugueses recordam melhor. É tempo de entre outras, as promessas de melhoria dos salários e do poder de compra dos portugueses, de convergência com os países com salários mais elevados. Promessas desfeitas pela realidade, que nos trouxe, sim, a degradação dos salários e do poder de compra. Ainda hoje a maioria das pessoas não liga o euro à devastação sectorial e aos baixos salários. Alguns exemplos da ausência do tal chavão da convergência que foi tão anunciado como o rebuçado a distribuir pelos portugueses. Falemos, por exemplo do salário mínimo. O Governo do partido Socialista não foi além dos 705 de euros de salário mínimo até final de 2022. Lembrar que na Alemanha o salário mínimo atingirá dentro em breve os 2 000 euros. Convergência? Onde?. Em Portugal, o salário médio, e já nem falo sequer do salário mediano porque aí as coisas ainda são mais desastrosas, está pouco acima dos 1 000 euros. Quando lá fora, na Zona Euro, esse mesmo salário anda, em média, nos 1 900 euros.Convergência? Mas qual convergência? Não brinquem com coisas sérias. Muito menos com a vida dos portugueses. Mas se a questão dos salários é só por si elucidativa da forma como o Euro em vez de criar a dita cuja convergência, criou um maior fosso entre países ricos e pobre. Que dizer da evolução da economia portuguesa? Outro perfeito desastre.Basta lembrar que o crescimento económico nacional reduziu-se a menos de um quarto. Elucidativo. Ou seja, o euro trouxe recessão e estagnação, uma grande insuficiência de crescimento. O nosso país, como os outros, atravessou ciclos económicos e crises, mas a moeda única não o protegeu, bem pelo contrário, como se viu durante o período da troika. Portugal não perdeu anos, perdeu décadas. Protecção houve, isso sim, para salvar a agiotagem que jogava a belo prazer nos casinos e foi e continua a ser paga pelos contribuintes.A dita convergência com a média europeia, muito menos com os países mais avançados, não se verificou. Portugal tornou-se um dos países que menos crescem no mundo. Mentiram descaradamente aos portugueses. Estes interiorizaram, graças a uma campanha de desinformação, que o euro é para além da dita e falsa convergência. A liberdade de escapar aos câmbios nos aeroportos. Mas o euro é muito mais que isso. É a fonte de transferência de rendimentos dos países pobres para os ricos, que torna os países pobres cada vez mais endividados. Juntar países com desiguais níveis de desenvolvimento numa mesma zona monetária é a ideia perfeita para os mais ricos. Desvaloriza a moeda dos países mais fortes enquanto encarece a moeda dos países mais fracos, favorecendo a economia e as exportações dos mais fortes, em detrimento da dos mais fracos, tornando as suas produções nacionais mais caras do que "consumir" importações. Sem orçamento europeu que compense o fosso que se vai abrindo, impossibilitados, por ideologia económica, de colocar o Estado a intervir em defesa da economia nacional; com o seu banco central sem autonomia e a quem foi vedado o financiamento da acção do Estado, os países mais pobres vão se endividando, sem fim. E a dívida é a trela que nos mantém presos aos externos, por acaso dos governos dos países mais ricos a quem interessa tudo manter assim. E não se escapa a essa trela reduzindo a dívida por meios orçamentais, como forma de evitar que o país seja o primeiro na mira dos mercados financeiros libertados da regulação do Banco Central. O "mecanismo" criador de dívida está em funcionamento, a cada instante, obrigando os países mais pobres a ter de apostar em sectores produtivos de baixo valor acrescentado, sem capacidade de expansão e apoiados em trabalho mal pago, que vão contribuindo para a divisão dos trabalhadores entre os mais bem pagos e os mais mal pagos, entre trabalhadores e trabalhadoras, entre os nacionais e os migrantes, enquanto se amplia a desigualdade social assente numa concentração da propriedade, com reflexos nas escolhas políticas que vão cavando as próprias bases da democracia. Como resultado aí está uma política que permite um dos maiores aumentos anuais da taxa de risco de pobreza de que há memória, dado que, entre 2019 e 2020, esta passou de 16% para 18%? E que dizer de uma política que adiou investimentos públicos essenciais ou que só os faz tardiamente e apenas à boleia de vitaminas europeias insuficientes, e que vêm com condicionalidade política reforçada, tal como prometido no OE de 2022? E que dizer de uma política económica que, perante as incertezas redobradas do presente, planeia dedicar somente 0,6% do PIB ao que no OE para 2022 se designa por «medidas de mitigação do choque geopolítico», incluindo 55 milhões de euros para financiar uma prestação única de 60 euros para famílias carenciadas, pretendendo protegê-las assim dos aumentos dos preços? Trata-se de um valor tão residual que, em percentagem do PIB, o relatório do OE indica um valor de 0,0% , nas finanças não se trabalha com centésimas de PIB. Importa que se apliquem novas políticas que promovam o investimento a modernização do aparelho produtivo, a diversificação do comércio externo, a eficiência dos serviços públicos, o aumento dos salários e pensões e a qualificação dos portugueses. Cumulativamente que se acabe com a mão estendida da classe empresarial que suga até ao tutano os paupérrimos recursos do país. Basta de tanto pedantismo saloio e doentio de há séculos. Tenham uma boa semana.