Uma semana após cair o pano da eleição dos representantes da Nação e de o pó já ter assentado nos pechisbeques, é altura de pensarmos de onde viemos e para onde vamos. Desde logo surgem os sempre gordurosos tudólogos a tentarem impingir aos cidadãos explicações estapafúrdias sobre o desempenho dos vários actores na cena eleitoral. Não há nenhuma surpresa com os resultados da extrema-direita. Há razões plausíveis que contribuíram e de que maneira para a sua ascensão. O nepotismo, a corrupção e o partidarismo infiltrado nos vários poderes explicam muito. Mas há mais. Por exemplo, o salário real está em queda há 3 décadas, e estamos desde 2008 - com rigor desde 2001, mas de forma acentuada desde 2008 - governados pelo PSD e pelo PS em austeridade/cativações; segundo o valor do rendimento adequado, 70% dos portugueses não o atinge apenas com um só salário; os serviços públicos ruíram e os privados ou são péssimos, ou para terem qualidade têm custos incomportáveis; os impostos sugam a vida e o trabalho de milhares de pequenos e médios empresários; e a habitação esse flagelo que atinge milhares de cidadãos deixou de ser um direito e passou a ser obrigação de viver em tendas ou debaixo da ponte. A agiotagem com lucros fabulosos esfrega as mãos de contente com o sangue, suor e lágrimas dos que caíram na esparrela dos empréstimos. Todos os empréstimos. As cadeias alimentares não lhes ficam atrás com lucros e mais lucros. O aparelho de Estado, até agora praia do PS e PSD vai dividir o espaço com a extrema-direita; nos locais de trabalho ensina-se a precariedade, o assédio, o salve-se quem puder, a canalhice; a televisão e os jornais são um espelho de ausência de liberdade de pensamento, brutalidade, ruído e mediocridade. O PSD chamou aos velhos peste grisalha, o PS fez requisições civis contra quem fez greves; a autointitulada esquerda nunca rompeu com isto, entretida com assuntos irrelevantes; não há uma única voz à esquerda a dizer que o desemprego é intolerável, que viver de subsídios é humilhante, que as pessoas não podem viver de mão estendida. Exigia-se emprego público de qualidade para todos mediante uma gestão democrática das instituições com transparência nos actos. Nenhum programa dos partidos ditos de esquerda o defende. Exigia-se uma política ecológica justa e sustentável, mas foi substituída por expropriações "verdes", um massacre às populações e aos agricultores. Exigia-se um partido de esquerda capaz de mobilizar o voto de protesto, capaz de construir uma alternativa. Em vez de abandonar as pessoas ao vazio político, à mediocridade mediática e à política de sempre, tendo como resultado este fenómeno doentio e fanfarrão, um partido neofascista em ascensão e a ocupar lugares de relevo na gamela do homem do balde. O combate tem que ser de uma esquerda, radical, sem medo do ruído mediático contra os "extremismos" que querem equiparar o fascismo com a resistência ao fascismo, anulando e isolando uma real resposta de esquerda. Não é o Bloco Central que nos vai salvar do fascismo, porque foi o Bloco Central que o produziu. O futuro está nas nossas mãos. Vamos ter que construir uma alternativa e não vai ser financiada por empresários, nem pelo Estado, terá que ser financiada por cada um de nós em colectivo, e ser o resultado da participação efectiva e real. Alguém no seu mais perfeito juízo acredita que o partido da extrema-direita vai resolver o problema dos baixos salários no país, dos impostos altos, da guerra apoiada pela Europa, da saúde, da educação, da habitação, da justiça, dos problemas de uma juventude que anseia pela saída da zona de conforto? Que problema vai, a extrema-direita, resolver? Nenhum. Quem quiser leia o programa político do partido da extrema-direita e procure uma, uma única proposta, para resolver os problemas do país. Nenhuma encontrará! Para já resolveu o problema de 48 cidadãos elevados à categoria de deputados com direito a assessores e mais militantes, que vão ter privilégios, rumo também aos fundos europeus. E, assim, 1 milhão de pessoas votaram num partido neofascista, que, aliás, foi legitimado pelo próprio Estado.
Tenham uma feliz Páscoa.