quarta-feira, janeiro 10, 2024

Ponto de vista

Ao iniciarmos mais esta série de crónicas na Rádio F queremos desejar a todos os que nos ouvem um feliz e próspero ano de 2024, que se concretizem todos os vossos projectos e que tenham muita saúde que é aquilo que infelizmente vai a escassear neste Inverno gélido. Estes são os meus sinceros votos. 
Iniciamos esta nova série com um assunto que em final de legislatura na Assembleia da República surpreendeu tudo e todos, principalmente, pela oportunidade do mesmo. Falo da lei do lóbi.  
A Assembleia da República aprovou a menos de quinze dias do fim da sua vigência, na generalidade, os projetos de lei do PS, PSD, IL e PAN para regulamentar o lóbi. 
Para os menos acostumados com estes termos convém esclarecermos o que é isso de lóbi. Lobismo, também referido como lóbi, é a atividade de influência, ostensiva ou velada, por meio da qual um grupo organizado, por acção de um intermediário, busca interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos próprios.  Ou seja, o lobismo envolve todas as comunicações e contactos estabelecidos para influenciar decisões públicas e políticas. Dentro dos mecanismos de participação pública nas democracias representativas, existem já conceitos próximos do lobismo, como os de grupos de pressão e grupos de interesse que todos vamos a conhecer, quase diariamente, de forma explícita. 
Ora para os decisores políticos não basta haver os tais grupos, é preciso e necessário legislar sobre a sua actividade.  Assim sendo, o lóbi apareceria como atividade organizada, exercida dentro da lei e seria uma forma de separá-lo do conceito de corrupção. 
Brilhante decisão. 
Tudo, mas tudo cairia na mais pura e singela lei. 
Porém, e quer os decisores queiram ou não, ainda existem áreas cinzentas. Uma delas é, por exemplo, o financiamento de campanhas eleitorais que poderia partir de um interessado numa política ou decisão governamental. Assim de corrupção passaria para a singeleza da lei do lóbi. 
Ora, num momento tão especial de investigação a um primeiro-ministro, a amigos dele, a ministros em assuntos de hipotética influência de decisões pergunta-se qual a razão de a menos de 15 dias do fim da legislatura haver  interesse em debater o tema? 
E se a lei do lóbi estivesse em vigor, a investigação em torno da Operação Influencer estaria em curso? 
A existência da lei do lóbi ficaria apenas circunscrita ao pode central? E o poder autárquico? E os outros poderes? 
Talvez fosse pertinente lembrar os vários escândalos que estão a acontecer a nível autárquico para se perceber a dimensão do problema. 
Lembrar que já em 2019, Marcelo, o chefe de Estado, vetou a lei. Não por discordar dela, mas antes por identificar no diploma importantes lacunas. Entre elas, a ausência de obrigação de declaração dos rendimentos obtidos com a atividade exercida, bem como a sua origem, a ausência de identificação da estrutura acionista e beneficiários últimos no que diz respeito a pessoas coletivas e ainda o facto de o diploma não se aplicar a interações com o Presidente da República ou os representantes da República nas Regiões Autónomas. Quanto à alteração do Estatuto dos Deputados, o Presidente recorda a sua posição, radical, em matéria de exclusividade, impedimentos e conflitos de interesses e lamenta que o estatuto não seja plenamente harmonizado com a lei do lóbi. 
Se mais motivos faltassem ao oportunismo do debate parlamentar, tudo parece ficar devidamente esclarecido. Apelidar alguém de lobista não é elogiá-lo, mas sim  associá-lo a clientelismo e compadrio. 
Mesmo que a actividade de lobista se encontre prevista, desde logo, no Tratado da União Europeia, além de que, nos Estados Unidos da América do Norte, se chega ao ponto de entender que deve possuir assento constitucional. Há países em que tal figura poderia criar situações de completa bandalheira. Copiar e aplicar métodos nada conformes com a nossa forma de ser e entender a democracia, mesmo a representativa, é digno de uma falperra. Aceitar que o Estado passe a ter toda e qualquer interação com representantes de interesses privados é o fim da ética e dos valores e princípios basilares da democracia. É e deverá ser sempre um crime!  Falar de maior transparência é atirar areia para os olhos dos portugueses. Quem é que em Portugal acredita que tal lei determine maior transparência? Não sejamos inocentes. 
Há quantos anos está por instalar o célebre Centro de Combate à Corrupção em Coimbra? Digam! Sejam honestos. 
Fartos de maganos.
Tenham uma excelente semana.
   

(Crónica Rádio F - 8 de Janeiro de 2024)