A crise na Global ‘media’ trouxe para a discussão pública a situação que há muito se vive na comunicação social em todo o mundo.
Portugal não escapa à crise.
Uma crise que se avolumou ao longo dos anos e com causas bem definidas e com consequências graves.
As notícias de despedimentos, de precariedade, de atrasos nos pagamentos, de quebras nas vendas, de falta de liquidez multiplicam-se na Comunicação Social.
Os trabalhadores da Global Media estão com salários em atraso e o risco de encerramento da TSF, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e vários outros títulos é muito real.
Não é apenas uma questão de património histórico conforme é realçado por alguns tudólogos, é muito mais do que isso.
É principalmente a rápida redução de pluralismo num setor em crise profunda e sem o qual, na era da desinformação produzida de forma industrial, nos podemos começar a despedir da democracia. Isso, sim, é o perigo real. Mais um pilar da democracia alcançada com o fim dos regimes ditatoriais após a II Guerra Mundial que está em ruínas.
As causas que originaram tal situação são múltiplas e de diversa índole. Culpar as redes sociais pela crise na Comunicação Social é mais uma forma leviana de analisar o problema. Quem não se lembra dos “velhos do restelo” que com o surgimento da televisão previram o fim dos jornais? A imprensa continuou apesar dos maus augúrios.
Aqui chegados e passado o tempo da intervenção do Estado que foi a definhar, chegou o tempo e, principalmente, o modo empresarial na comunicação social.
O jornalismo tornou-se cada vez mais um negócio pejado de investidores, muitos investidores, que fazem as suas apostas sem qualquer conhecimento do assunto. Confiam cegamente em grupos de testas de ferro que procuram por todas as formas dominar a seu belo prazer o negócio com várias formas de controlo. Os investidores querem retorno financeiro, querem lucros, seja a preço que for e em que condições forem. Aumentam os precários, a mão-de.obra barata das empresas que dominam a comunicação social.
São quase todos precários à força e não por opção, vivem numa situação permanente de instabilidade financeira, têm salários baixos e trabalham longas horas. Muitos nem sequer têm um horário indicativo e, por isso, os chefes têm a expectativa de que estejam sempre disponíveis. Não têm direito a folgas ou a férias e quando as tiram não ganham nada. Vivem em luta contra o tempo, em esforço constante, com prejuízo para as famílias e para a saúde, sobretudo a saúde mental.
De acordo com um estudo do Obercom - Observatório da Comunicação, mais de 40% dos jornalistas trabalhavam em situação de precariedade: ou seja, como trabalhadores autónomos, com contrato a termo certo, colaborações com avença, colaborações à peça ou a fazer estágios profissionais ou curriculares.
Os despedimentos coletivos que se tornaram cada vez mais recorrentes, assim como os programas de "rescisões amigáveis" e os atrasos nos pagamentos de salários são exemplos de uma precariedade que atravessa toda a profissão. Ou seja, o jornalista trabalha para alimentar os investidores. Se não satisfeitos, os jornalistas têm sempre presente a possibilidade implícita de perder a fonte de rendimento.
Tudo isto influencia o trabalho dos jornalistas. A precariedade não faz com que não tenham muito presentes as suas obrigações éticas, mas torna-os mais vulneráveis a pressões e interferências. Sobretudo os jornalistas que trabalham fora das redações, de forma mais solitária, afastados dos centros de decisão, sentem que muitas vezes são chamados a fazer os trabalhos que os jornalistas dos quadros não querem fazer. Não é fácil entrar no mercado de trabalho, não há verbas para contratar efetivos, por isso os estágios sucedem-se. A resistência a este modelo contempla fortalecer as instituições e a soberania nacional. Neste sentido, as críticas que devem ser feitas à imprensa devem apontar para um jornalismo mais sério, confiável e democrático. E não para sua destruição. Devemos valorizar a imprensa livre, a sua história, o seu papel e trabalhar para ampliá-la e melhorá-la conforme os interesses do povo e com base naquilo que prevê a nossa Constituição. Porque um país desenvolvido precisa de uma imprensa forte, livre, questionadora e que respeite o Estado de Direito.
A democracia, qualquer que ela seja, precisa de uma imprensa forte, livre e questionadora. Mas importa perceber que os jornalistas são parte da solução, mas a sociedade também o é.
Os cidadãos têm de perceber a importância de ter uma comunicação social livre e forte, e perceber o papel do jornalismo a interpretar e enquadrar a realidade. Importa que a sociedade realize um debate sério sobre o papel do Estado na Comunicação Social.
Mas que sociedade queremos ver a debater este tema? Uma sociedade mais interessada em sensacionalismos, assuntos quotidianos incríticos, ou em hábitos de comportamento, ou da vida de celebridades?
Lembrar que a crise que se vive no jornalismo também tem muito a ver com o poder de compra dos portugueses e, principalmente, com a ausência de hábitos de leitura.
Já passaram 50 anos de democracia e vários modelos foram experimentados. Desde a nacionalização, às cooperativas de jornalistas até à privatização. E os resultados foram sempre desanimadores. Por fim, importa que os jornalistas compreendam e aceitem a sua cota de responsabilidade nos vários modelos já experimentados. Têm de reconhecer as suas falhas e as fragilidades. O jornalismo é tanto mais forte quanto mais eticamente comprometido, há um contrato entre jornalistas e sociedade que está na base da profissão.
O facto de o jornalismo nem sempre cumprir esse contrato contribui para o desgaste da imagem mediática dos jornalistas e para uma crescente descredibilização, que acaba por afetar todos os profissionais.
A imprensa deve servir os governados e não os governantes. Sejam eles quais forem.
Tenham uma excelente semana.
Tenham uma excelente semana.
(Crónica Rádio F - 22 Janeiro 2024)