E num ápice eis que um ataque bárbaro do Hamas a um festival de música em Israel desencadeia um ‘tsunami’ em tudo o que é comunicação social e pior um massacre sobre um povo indefeso.
Como se o conflito fosse apenas de hoje.
Nada disso.
O conflito dura há décadas.
Umas vezes com maior divulgação na comunicação social, principalmente quando o agredido é Israel.
Outras vezes, covardemente esquecido, principalmente quando se reduz um povo, o palestiniano, a cinzas.
É um conflito com múltiplos culpados e com um povo martirizado, expulso do seu território, reduzido a uma prisão a céu aberto, limitado nos seus mais elementares direitos e ainda por cima a servir de escudo a bárbaros.
A História mostra que o plano de expansão de Israel iniciou-se em 1897 aquando do primeiro Congresso Sionista realizado em Basileia.
O “sionismo”, nome baseado na famosa colina de Sião, em Jerusalém, é antigo e remonta a 1887, como uma doutrina que procurava, já nessa altura, juntar os judeus.
Os britânicos, por altura da Primeira Guerra Mundial, quando o Império Otomano se aliou aos alemães, em troca de ajuda, prometeram aos árabes, e também aos judeus, um “lar nacional”, obviamente, uma promessa impossível de cumprir porque os árabes já reivindicavam o território há séculos.
No final da primeira Grande Guerra, os sionistas, aproveitando a “promessa” dos britânicos, iniciaram um processo de pressão contra a Inglaterra para a construção de um único Estado, o Judaico.
Acto contínuo, profundamente revoltados, os palestinianos procuraram apoio junto dos países árabes. Com o fim da 2.ª Guerra Mundial, em 1945, com o holocausto nazi, os judeus, beneficiando da simpatia da comunidade internacional, aproveitaram a situação para a sua promoção, a retoma da expansão sionista para a construção de um único Estado na região, estratégia que se está a verificar, com o silêncio brutal da comunidade internacional.
Após os violentos combates com Israel ocorridos em 1948, durante um ano, em que estes últimos saíram vencedores, originou-se a fuga de 700 mil palestinianos. E foi nesta altura que Israel decidiu ocupar as terras abandonadas à força pelos palestinianos, o que permitiu a entrada de mais de 4 milhões de imigrantes, desde que desejassem ter nacionalidade israelita.
Para agravar a situação, em 1967, os israelitas ocuparam a Cisjordânia e os colonatos judeus aumentaram.
Em 1982, o escritor colombiano, Gabriel García Márquez escrevia e passo a citar: “Tenho muitos amigos cujas vozes altas podiam ser ouvidas do outro lado do mundo, que teriam desejado e sem dúvida ainda querem expressar a sua indignação neste festival de sangue, mas alguns deles confessam em voz baixa que não ousam por medo de ser acusado de ser antissemita”. Não sei se eles estão conscientes de que estão a ceder – ao preço da sua alma – a uma chantagem inaceitável”. Fim de citação.
Concordo com o escritor colombiano.
A minha total solidariedade é para um povo mártir palestiniano e, obviamente, expressar o meu repúdio pelos bombardeamentos israelitas, contra um povo indefeso que luta pela sua sobrevivência e independência, ataques indiscriminados que atingem de forma premeditada hospitais, escolas e destroem, não o Hamas, mas infraestruturas básicas para a sobrevivência do povo da Palestina.
Por outro lado, importa denunciar a lógica genocida do Hamas. A utilização dos civis palestinianos como escudo é recorrente em toda a estratégia militar do Hamas, e tornou-se evidente de novo na actual guerra.
A situação piorou, é trágica.
Cumulativamente sucede-se a violação dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel.
É assustadora, hedionda, os donos da terra são prisioneiros de Israel, sendo a Faixa de Gaza, um pequeno espaço de terra com cerca de 2,3 milhões de palestinos, quase metade são crianças, muitas delas órfãs que vivem aprisionados por Israel, numa faixa de terreno de 41Km por 10Km, cercados pelo mar e por um muro construído a toda volta, altamente vigiado como se de uma prisão se tratasse. Sem esquecer a cada vez maior ocupação da Cisjordânia pelos colonatos israelitas.
Um sufoco.
Enquanto ser humano defendo de forma intransigente o direito do povo palestiniano à defesa da sua justa luta, a construção de um Estado soberano, livre e independente.
Que um massacre desta natureza se dê em frente dos nossos olhos e a resposta dos governos da Europa seja proibir as manifestações contra esta barbárie é bem reveladora sobre a ética dos líderes europeus. E não esquecendo as ameaças que cidadãos estão a sofrer por todo o lado por defenderem publicamente o povo palestiniano.
A quantidade de gente democrata que ousa perante um genocídio defender que nos calemos perante esse mesmo genocídio demonstra que a barbárie pode ser vestida de civilização.
O que está em curso é acabar com o que resta da Palestina e dominar o território e os recursos naturais e a sua posição estratégica. Não é a defesa de judeus, é a defesa do imperialismo e da barbárie.
A única esperança vem da desobediência.
Lembro as palavras de Belal Aldabbour, médico palestino em Gaza: “Se eu morrer, lembrem-se de que nós éramos indivíduos, humanos. Nós tínhamos nomes, sonhos, realizações. A nossa única culpa foi sermos classificados como inferiores”.
Tenham uma boa semana.
(Crónica Rádio F - 30 de Outubro de 2023)