terça-feira, julho 19, 2022

Hoje lembrei-me do Zeca.

Lá no Xepangara


Lá no Xepangara
Vai nascer menino
Dentro da palhota
Tem a seu destino

Lá no Xepangara
Fica muito bem
Deitado na esteira
Ao lado da mãe

Há-de ter um nome
Lá prò fim do ano
Se morrer de fome
Tapa-se com um pano

Se tiver já corpo
Rega-se com vinho
Se não cair morto
Chama-se menino

Se tiver umbigo
Corta-se à navalha
Tira-se uma tripa
Faz-se uma mortalha

Pretinho de raça
Sempre desconfia
Se o muzungo passa
Diz muito bom dia

Quando for mufana
E já pedir pão
Dá-se uma lambada
Vem comer à mão

Mais uma patada
Vai-te embora cão
Dá-se-lhe porrada
Porque é mandrião

Lá prò fim do ano
Quando já for moço
Guarda-se o tutano
Fica pele e osso

Quando já for homem
Tira-se o retrato
Come na cozinha
Chama-se mainato

Se mudar de vida
Vai para o contrato
No fundo da mina
Fica mais barato

Quando já for velho
Chama-se tratante
Dá-se-lhe aguardente
Morre num instante.

Só de um génio. O retrato cru e duro de como um negro era «feito» no regime colonial.
Obrigado Zeca. Disseste tudo de forma tão pura e bela.
Que vida triste a do menino negro!