No
dia 28 de agosto de 1963, Martin Luther King discursava para cerca de
250 mil pessoas sobre seu sonho de ver uma sociedade em que todos
seriam iguais sem distinção de cor e raça. Um discurso que ficou
para a História da Humanidade como: «I have a dream». Disse o
reverendo pastor Martin Luther King nessa tarde de Agosto: "Estou
feliz por estar hoje convosco num evento que entrará para a história
como a maior demonstração pela liberdade na história de nosso
país.», fim de citação. Luther King tinha razão tudo não passou
de uma demonstração pela liberdade. Liberdade essa que em muitos
estados norte americanos e na quase totalidade do globo continua a
não se verificar. Basta lembrar os casos recentes de racismo que
terminaram na morte de cidadãos por todo o lado. Como dizia Luther
King devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda não é
livre. A vida do negro está ainda infelizmente dilacerada pelas
algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. O negro
ainda vive numa ilha isolada de pobreza no meio de um vasto oceano de
prosperidade material. Mas hoje já não é só o negro. É o branco
desprotegido, que pelo desemprego foi atirado para uma qualquer rua,
é o cigano a quem a sociedade exige que cumpra as leis do país e
que esse mesmo país o desconsidera, é o emigrante que foge da
miséria para ser escravo, como noutros tempos outros irmãos seus
foram forçados a ser escravos. É a luta desigual entre os que tudo
detêm e os que vendem a força do trabalho. Vem tudo a propósito de
um recente memorando da comissária para os
Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, que insta as
autoridades portuguesas a combater de forma mais determinada o
aumento do racismo no país. Mas dizer que o memorando também podia
e devia ser endossado à quase totalidade dos países da União. A
comissária Dunja Mijatović manifesta preocupação face ao aumento
do número de crimes motivados pelo ódio racial, assim como do
discurso do ódio, visando particularmente os ciganos, os afro
descendentes e as pessoas percecionadas como estrangeiras em
Portugal. Dunja Mijatović recomenda ainda que a polícia e o
Ministério Público adoptem uma definição mais lata de “crime de
racismo” e realizem rapidamente uma investigação rigorosa e
imparcial a todos os incidentes de cariz racista. No memorando, a
comissária considera que o país necessita confrontar o seu passado
colonial. E passo a citar a Comissária: “É importante tomar
consciência das estruturas historicamente repressivas do
colonialismo, dos preconceitos racistas entranhados na sociedade e
das suas ramificações até aos nossos dias”, fim de citação.
Nesse sentido, a comissária europeia afirma serem necessários
esforços para debelar os preconceitos racistas contra as pessoas de
ascendência africana, herdados de um passado colonial e do período
da escravatura e aponta os currículos escolares para atingir essa
consciencialização. Seria de todo conveniente refazer os conteúdos
das aprendizagens ao nível da História que fala dos feitos do povo
como actos de bravura e de epopeia mas esquece o lado dos
escravizados sem os quais a mesma seria de todo impossível. É
necessário e urgente, já há maturidade suficiente para o fazer,
para olhar para os dois lados da moeda. Sem falsos heroísmos e
patriotismos bacocos e sem paternalismos nem hipócritas formas de
reescrever a História. Essa existe e está aí. Não se nega.
Importa é conhecê-la na sua globalidade. Portugal usou e abusou da
escravatura. Só o Brasil, antiga colónia portuguesa, recebeu 5
milhões de escravos durante 300 anos. Importa que os conteúdos
programáticos refiram este lado da história. “Esforços
adicionais são necessários para Portugal chegar a um acordo sobre o
passado de violações dos direitos humanos, para combater os
preconceitos racistas contra os afro-descendentes, herdados de um
passado colonial e do comércio de escravos”, refere o Conselho da
Europa, ao mesmo tempo que urge que o governo português repense a
forma como se ensina a história colonial nas escolas mas igualmente
a educação para a cidadania com respeito pelo outro. E refere ainda
o Conselho da Europa a necessidade de desenvolver iniciativas
destinadas a combater a discriminação contra os ciganos, como forma
de combater o anticiganismo, “que continua disseminado na sociedade
portuguesa e presente no discurso público de certos responsáveis
políticos”, acrescenta a comissária. O governo português
responde com iniciativas de cosmética que a nada conduzem a não ser
fingir que algo foi feito para que tudo fique na mesma. As sucessivas
violações aos direitos de todas as minorias vão acontecendo num
país em que se continua a pensar que a memória se apaga com a
destruição de monumentos. A dor é muito profunda e sangra.
Adaptando a frase final do discurso de Martin Luther King aos tempos
modernos diria que quando permitirmos que a liberdade ressoe,
quando a deixarmos ressoar de cada estado, de cada cidade, vila e
aldeia, seremos capazes de fazer chegar mais rápido o dia em que
todos os filhos de Deus, mas todos sem excepção, poderão dar as
mãos e cantar as palavras da antiga canção espiritual negra:
Finalmente livres! Finalmente livres! Graças a Deus Todo Poderoso,
somos livres, finalmente.
Este é também o meu Humanismo.
Tenham
uma boa semana.
(Crónica na Rádio F - 5 de Abril de 2021)