Foi
recentemente publicado um estudo do economista Eugénio Rosa sobre a
situação calamitosa em que se encontra a Administração Pública
e, mais concretamente o desempenho como serviço público e da
qualidade do emprego e das condições de trabalho dos funcionário
públicos. Importa que se faça uma análise ao documento para, desta
forma, compreendermos como os governantes, todos eles, olham para a
Administração Pública. Para início de conversa, o economista
Eugénio Rosa começa por considerar que a crise da Administração
Pública é causada por falta de investimento público, pela
existência de um sistema remuneratório desmotivante, e pelo aumento
da precariedade, tudo isto agravada pelo Covid, e por normas
burocráticas que impedem qualquer gestão eficiente, eficaz e que
responsabilize. A grave crise de saúde pública causada pelo Covid e
as medidas tomadas por força dela – confinamento, teletrabalho,
etc. - por um lado agravaram, na opinião de Eugénio Rosa, ainda
mais a crise existente, provocando a desorganização da
Administração Pública, a produtividade e a capacidade de resposta
que diminuíram significativamente e que foi sentido de modo agudo
por todos os portugueses. Tudo isto associado ao uso e abuso de meios
da Administração Central para disseminar incompetentes e medíocres
pelos órgãos de direcção das instituições. O
que se verificou a nível do SNS, onde a falta de meios era notória
determinando continuas ruturas de muitos hospitais públicos, só
atenuada pelo esforço e dedicação quase sobre humana dos
profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, Técnicos de
diagnósticos, Assistentes Técnicos e Assistentes Operacionais,
estes três últimos muitas vezes esquecidos mas também fundamentais
é
uma prova da situação a que chegou a Administração Pública
portuguesa como consequência da política dos sucessivos governos. O
discurso oficial de que as graves dificuldades que o SNS enfrentou e
enfrenta resultam apenas do carácter excecional desta crise de saúde
pública é apenas meia-verdade que procura iludir a opinião pública
pois, a verdade total é outra. Um
dos aspectos que mais surpreende na atuação do governo é que
parece não ter aprendido com a grave crise económica e social que o
país enfrenta e com a necessidade de reforçar a Administração
Pública com os meios que esta necessita para poder responder às
necessidades do país e dos portugueses. Outro aspecto negativo, que
mostra com clareza que o atual governo, ainda não aprendeu com a
grave crise que o país enfrenta, é que é necessário dotar a
Administração Pública com profissionais, em quantidade e com as
competências necessárias par responder às necessidades do país, e
não o recurso maciço a trabalho precário para suprir necessidades
permanentes da Administração Pública, incluindo do SNS. São
necessários e urgentes concursos públicos transparentes, com
critérios bem definidos, e não com destinatários à partida já
definidos, que se acabe de vez com a partidarite dos serviços e da
contratação de funcionários pelo factor cunha, com recurso a
malabarismos conhecidos e culminados nas célebres e hipócritas
entrevistas. Ainda segundo dados do INE entre Dezembro de 2019 e
Dezembro de 2020, o número de trabalhadores com contratos a prazo
nas Administrações Públicas, central, local e regional, aumentou
em 21%, sendo a subida na Administração Central de 22%. Entre 2019
e 2020, a taxa de precaridade aumentou de 11% para 13% em todas as
Administrações Públicas, e de 13% para 15% na Administração
Central. Muito
se diz sobre as remunerações dos trabalhadores da Função Pública
para os criticar, mas poucos se dão ao trabalho de estudar o seu
sistema remuneratório. Em 2009, Sócrates substituiu o sistema que
vigorava por uma Tabela Remuneratória Única, com 108 níveis
remuneratórios, em que o nível mais baixo, nível 1, é o salário
mínimo nacional acabando também com as carreiras profissionais
existentes. E depois “encaixou”, à força, nesses níveis
remuneratórios os 728 000 trabalhadores. Para subir de nível
remuneratório são necessários, para a maioria dos trabalhadores,
um mínimo de 6 anos, opção
gestionária, mas na maioria dos casos 10 anos, pois os 6 necessitam
de ter o acordo do Ministério das Finanças. E isto porque é
preciso acumular pelo menos 10 pontos dados por um sistema de
avaliação anacrónico e injusto, SIADAP, e os que excedem os 10 não
são considerados para a subida de nível no período seguinte. É o
recurso às tão célebres e aberrantes cotas. Forma ardilosa, ladra
e patriarcal de proteger os afilhados e lambe botas e prejudicar
milhares de funcionários. As
remunerações da Tabela Única mantiveram-se inalteráveis de 2009
até 2020, ano em que subiram 0,3%, tendo sido novamente congeladas
em 2021, com exceção da mínima. Entre 2009 e 2020, os preços, sem
entrar em conta com a enorme subida do IRS e da contribuição para a
ADSE, aumentaram 12%. As alterações que têm tido, para além dos
0,3%, foram no nível mais baixo da tabela, a que é igual ao salário
mínimo nacional. Com a subida deste, os 3 primeiros níveis
desapareceram. Em 2021, o nível 1 já corresponde ao nível 4 da de
2009, o que causa distorções e injustiças, pois milhares de
trabalhadores com vários anos de Função Pública que ganhavam mais
entre 50€ e 185€ do que o salário mínimo nessa altura níveis
2, 3 e 4, agora recebem apenas o salário mínimo. Como consequência
o poder de compra dos trabalhadores da Função Pública no fim de
2020 continuava a ser inferior ao de 2010. Entre
2010 e 2020, o poder de compra da remuneração base média mensal
dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas Central,
Local e Regional diminuiu em 10%. No entanto há categorias
profissionais onde a perda é maior. Por exemplo, para os médicos a
perda foi de 16%; para os enfermeiros de 9%; para os professores de
13%; para os Técnicos superiores a perda de poder de compra atinge
16%. É evidente que, com o sistema remuneratório como aquele que
referimos, e com estas perdas de poder de compra, associados ao
congelamento durante anos a fio das remunerações, não se consegue
nem motivar e compensar devidamente aqueles que mais se empenham e
com maior produtividade que estão na Função Pública nem atrair
para a Administração Pública trabalhadores com competências
elevadas para ela poder responder às necessidades do país e dos
portugueses. São por todas estas razões que afirmamos que a
Administração Pública enfrenta atualmente uma profunda crise que o
governo não compreende ou ignora. E para agravar ainda mais a
situação, ela continua metida num “colete de forças” e um
sistema de controlo e de normas burocráticas que impedem qualquer
gestão eficiente, eficaz e que responsabilize.
Tenham uma boa
semana.
(Crónica Rádio F - 12 de Abril de 2021)