Portugal,
como quase todos os países a nível mundial, está a atravessar uma
das piores crises económicas e financeiras que há memória. Esta
crise era de facto uma crise anunciada.
Ainda o vírus estava
circunscrito à China e já se falava na crise económica e
financeira que estava para chegar.
A
crise já determinou, em Portugal, que dois terços da população já
não consegue pagar os créditos e as contas. Dos restantes 33% da
população trabalham só para pagarem os débitos. São dados de um
estudo recente da DECO.
Mas para que se tenha uma ideia ainda mais
precisa da gravidade da situação frisar que duas em cada três
famílias já estão na pobreza.
Já há 30 mil desempregados
inscritos no Instituto Emprego e Formação Profissional.
Mas os
números do desemprego vão ainda aumentar quando chegarem as
facturas das moratórias e o anúncio das empresas que vão ficar
pelo caminho.
Ora, era suposto que o governo estivesse nesta altura a
desenvolver um plano para apoio às famílias carenciadas. E não
será o tal plano de
Recuperação e Resiliência
que foi apresentado em Bruxelas para sacar os tais milhões que vai
ser a solução para os graves problemas da economia portuguesa.
O
Estado português limitar-se-á a criar uma espécie de concílio dos
deuses, das decisões da distribuição dos milhões, para que tudo
pareça transparente e onde só os amigos do costume terão acesso.
Como aceitar que o tal Plano dito de resiliência mas que de
recuperação tem muito pouco venha a ter efectiva aplicação
quando, neste momento face à grave crise económica e financeira que
se vive, o mesmo governo não quer executar medidas de apoio social.
Lembrar uma frase do presidente Jorge Sampaio que, a propósito dos
mesmíssimos argumentos dos deficits orçamentais dizia que havia
vida para além do défice.
E há muita vida!
Mas o mesmo governo que
se recusa a dar a mão aos portugueses apoia de forma descarada
cidadãos de outros países, cidadãos reformados com reformas
douradas a virem viver para Portugal sem terem de pagar quaisquer
impostos. Isso mesmo foi denunciado pela ministra das Finanças da
Suécia. Os cidadãos reformados do seu país instalam-se no paraíso
fiscal que é Portugal para não pagarem impostos, nem na Suécia nem
em Portugal.
E, no entanto os portugueses pagam, a bem pagar, toda a
rebaldaria instalada.
O vergonhoso da situação o que revela a tal
resiliência falaciosa dos vários governos instalados e demais
poderes usurpadores é que desde 2002 que existe uma convenção
entre os dois países para que se acabe com a farsa.
Mas Portugal
nada fez.
Em 2019 os dois países aceitaram rever a situação
altamente lesiva para os cidadãos e só a Suécia retificou o
acordo.
Portugal meteu-o numa qualquer gaveta.
Cansados de esperar a
Suécia, pela voz da ministra das Finanças, veio denunciar a
situação e quer rasgar o acordo, unilateralmente, e obrigar os seus
cidadãos a pagarem os impostos devidos no seu país.
Mas a ministra
das Finanças vai mais longe e diz que é “interessante”
e até “fascinante” observar “a forma como os cidadãos comuns
em Portugal aceitam isto”.
A senhora ministra nem sabe, nem sonha,
o que se passa neste jardim à beira-mar plantado. Quando há gente
que se revolta pelo facto de Portugal receber emigrantes que fogem da
guerra, da miséria e da pobreza e se cala perante o facto de
reformados milionários da Suécia virem de malas feitas para
Portugal para fugirem dos impostos, diz tudo de um gentalha sem
escrúpulos e sem rigor de atitude. Faltam valores e princípios
neste Portugal senhora ministra.
Não são apenas os reformados
suecos a beneficiarem da imbecilidade dos governantes.
A Suécia é
apenas o sexto país a beneficiar com este estado de injustiça
fiscal.
A senhora ministra pode imaginar um insignificante cidadão
comprar uma empresa com dinheiro dos contribuintes e passar de
ordinário cidadão a milionário?
É que o dinheiro que recebeu para
comprar a empresa ainda lhe permitiu ascender ao Olimpo dos bem
aventurados do país.
A senhora ministra saberá que a desigualdade
de tratamento entre cidadãos portugueses é outra faceta
«interessante» e «fascinante»? Saberá que a maioria dos
portugueses pagam todos os impostos, na actividade ou na reforma, mas
os poderosos têm estatuto próprio, estão isentos de pagarem
impostos sejam eles de transacções comerciais sejam de mais valias.
A senhora ministra conhece a aberração que são os ajustes
directos?
Uma fórmula inventada pelos salteadores da coisa pública
para agilizarem negociatas onde se chega ao cúmulo de ser a mesma
empresa a apresentar as tais três propostas para o concurso em
apreço?
Tem toda a razão senhora ministra quando diz que é ignóbil
um paciente sueco e um paciente português estarem lado a lado num
hospital português, e o cidadão português que pagou impostos
pelos dois, porque os suecos têm todos os direitos — cuidados de
saúde, transportes públicos —, mas não pagam impostos.
E só
faltou mesmo foi dizer que o paciente sueco usufrui pela sua reforma
quatro ou cinco vezes mais que o contribuinte português.
E falta
falar-lhe em tantos outros casos que devem ser do seu conhecimento,
como por exemplo, esvaziamento de bancos.
Sabe senhora ministra, nós
já tivemos um prémio Nobel da literatura, como é do seu
conhecimento.
Tivemos ao longo da nossa História, de mais de oito
séculos, vários e ilustres escritores que nos foram definindo como
povo.
Houve um que nos caracterizou de forma eloquente. Chamou-se
Guerra Junqueiro que um dia escreveu esta coisa fascinante sobre a
forma de ser do povo português: « Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta
de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois
que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em
catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está,
nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é
bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um
lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio
escuro de lagoa morta».
Pelas suas análises, senhora ministra, até
parece que leu esse grande escritor português do século XIX.
Obrigado senhora ministra pelo alerta de consciências de um povo
adormecido pela ilusão do amanhã que nunca chega.
Tenham uma boa
semana.
(Crónica Rádio F - 29 de Março 2021)