terça-feira, abril 13, 2021

Faturas e farturas da festa.

 Numa altura em que se anuncia a chegada de milhões para salvar uma economia debilitada, e não apenas pela COVID – 19, pois já antes havia sinais preocupantes que faziam anunciar uma grave crise económica, eis que o escândalo rebenta. O jornal onlineO Político”, na secção dedicada à Europa, trazia um extenso trabalho sobre Portugal, mais concretamente sobre os gastos exorbitantes de uma Presidência Europeia que calhou em sortes ao nosso país. O artigo é demolidor sobre a forma como os governantes de um país que não sabendo programar, planificar e aplicar uma estratégia de ação que minimizasse as consequências nefastas de uma pandemia sabe, exemplarmente, dar o golpe do antiquíssimo conto do vigário às verbas da União Europeia destinadas à dita Presidência. A fatura já foi entregue à União Europeia, para ser processado o seu pagamento que, mais uma vez, olha de soslaio para as despesas ali apresentadas. O título do artigo não podia ser mais sugestivo: «A presidência "fantasma" de Portugal da UE acumula despesas pessoais». Portugal assumiu a Presidência da União Europeia em Janeiro de 2021. Numa altura em que o país apresentava, ao nível da pandemia, valores preocupantes ocupando o primeiro lugar no número de infetados, internados e mortos a nível mundial. Era suposto que, face à grave crise sanitária que se vivia em Portugal e, muito particularmente em Lisboa, que a Presidência privilegiasse os encontros online. Ou seja, para mal de toda uma elite governativa que preferia o fausto e a pompa da Presidência, eis que uma pandemia relega-a para uma "presidência fantasma" improvável de realizar cúpulas espalhafatosas, tão useiras e costumeiras, neste nosso Portugal. A pandemia não impediu que os governantes gastassem verbas, à tripa forra, como se tratassem de eventos presenciais, durante os seis meses à frente do Conselho da UE. Desde que assumiu as rédeas da presidência rotativa do Conselho, em Janeiro, Portugal assinou contratos no valor de centenas de milhares de euros para aquisição de equipamentos, bebidas e até roupas para eventos que dificilmente seriam presenciais. A presidência gastou 260 591 euros, para equipar um centro de imprensa em Lisboa - embora as conferências de imprensa da presidência fossem realizadas online e os jornalistas estrangeiros não viajariam para Lisboa. O projeto foi confiado a uma empresa que não obtém um contrato público desde 2011, e cuja experiência anterior em contratos com o setor público envolveram a organização de entretenimento para festas de aldeia. As pessoas que visitaram tal «centro de imprensa» descreveram-no como uma “sala fantasma” de cadeiras e mesas vazias. Esta gente não se terá questionado que estávamos no meio de uma pandemia e que as conferências de imprensa podiam ser realizadas, em segurança, via online? Claro que sabiam. Mas para além desta logística, de nenhum interesse, ainda houve os célebres patrocínios que nunca faltam nestas festas. Existem acordos com duas empresas portuguesas de bebidas - a produtora de café Delta Cafés e o grupo de refrigerantes Sumol + Compal da multinacional PepsiCo, em Portugal e um acordo com a gigante portuguesa da pasta e do papel The Navigator Company. Lembrar que a Navigator recebeu no ano passado um empréstimo de quase 28 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento. Sabe-se como a Navigator é a porta giratória para ex membros do governo. Mas se as questões preferenciais pela Navigator são explicáveis à luz da falta de transparência como justificar que a Presidência Portuguesa aceite o patrocínio de uma empresa cujas vastas plantações de eucaliptos foram ligadas a incêndios florestais mortais em Portugal e à apropriação indevida de terras em Moçambique para a florestação? Mas há mais! A presidência não se coibiu de contratualizar com uma vinícola o serviço de bebidas no valor de 35 785€ e assinou um contrato de 39 780€ para a compra de 360 camisas e 180 fatos Decididamente este governantes, e outros que tais, não aprendem. É uma classe elitista que recorre a todo o tipo de minas e armadilhas para levar o dinheiro aos mesmos de sempre. Ao longo da nossa História foi sempre assim. Portugal continua a ter, para gáudio da elite parasitária e pedinte, um sistema de contratação pública muito conveniente para todo o tipo de alçapões. Não há justificativo de despesas, para além do usual «ausência de recursos próprios», que possibilita essa vergonha nacional que dá por nome de ajustes directos. Não há nenhum mecanismo em vigor para evitar conflitos de interesse, e os contratos são frequentemente concedidos a empresas amigas, favorecidas pelo governo. Para completar é muito difícil provar a corrupção porque a falta de profissionalismo no sistema de contratos públicos é tal que o uso indevido de fundos é muitas vezes devido à incompetência, e não à fraude total. Em Setembro do 2020, a Comissão Europeia abordou essa questão no seu Relatório 2020 sobre o Estado de Direito, castigando Portugal por não fazer o suficiente para combater a corrupção. Se uma Presidência se permitiu a todo o tipo de transações nada claras, imagine-se o que será com os milhões que se aguardam. Exige-se respeito pelos mais de 100 mil desempregados, pelos milhares de cidadãos que não vão ter os seus postos de trabalho, dado o aumento de empresas a falirem e que irá aumentar a miséria de um país.


(Crónica no Jornal O Interior - 8 de Março 2021)