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Ministério Público arquivou o processo contra o ex-ministro e ex-conselheiro de
Estado Dias Loureiro. Na sua pronúncia de arquivamento o Ministério Público confessou
a sua incapacidade para obter provas suficientes da prática de crime, pesem
embora os muitos indícios existentes. Significa isto que não concluiu pela
inexistência de crime, nem que os arguidos no processo não o tenham praticado. Fez
até constar as suas suspeitas no fim do processo, nomeadamente quando afirmou
que as complexas operações financeiras mais não foram do que uma cortina de
fumo para tirar dinheiro do BPN em benefício dos arguidos.
Conhecida
esta decisão, logo o ex-ministro, ex-conselheiro de Estado e ex-deputado do PSD,
Loureiro, veio a público bater com a mão no peito, considerando tudo isto como
uma aberração, uma aberração absoluta.
Há
duas formas de se olhar para tudo isto. Uma é a de Loureiro, circunscrita às
questões legais e de mera forma processual. Outra é a do senso comum, nem
sempre compatível com as leis.
Toda
a gente já percebeu que um bando de ministros, primeiros-ministros, deputados, magistrados,
banqueiros, jornalistas, comentadores, etc., se uniu, conscientemente ou não,
para criar e defender um sistema que permite que coisas destas continuem a
acontecer. Esse sistema, para funcionar, precisa de toda essa nata social e do
adequado embrulho de uma justiça lenta, burocrática e corporativa, muito
convenientemente barricada nos chamados direitos fundamentais.
Dou
um exemplo que todos percebem. Se por acaso se descobrir que um qualquer
sem-abrigo tem uma fortuna de 100 mil milhões de euros, é o Estado que tem de
provar de onde veio tanto dinheiro, e não o sem-abrigo que tem de explicar como
lhe deitou mão.
Por
isso que ninguém se admire que Loureiro tenha aproveitado o sistema para se
mostrar “estarrecido” com as "insinuações" que diz existirem num
despacho de arquivamento de um processo em que era suspeito de burla
qualificada, branqueamento e fraude fiscal. A mera leitura das 99 páginas do
despacho de arquivamento revela — para uma pessoa de inteligência média, é
certo — para que servia a arquitetura das operações e das decisões envolvidas,
mas Loureiro nem sequer conseguiu estar ao nível de um sem-abrigo – que seria
calar-se – e não resistiu a vestir as vestes de virgem ofendida.
Pelo
meio ficam sem resposta as dúvidas sobre os 13 mil milhões que já doámos à
agiotagem, os crimes do GES e do BES, do BANIF, das PPP rodoviárias, das manigâncias
da Parque Escolar, dos despautérios do BPN e do BPP, da desnatação e desmanche
da PT, das fortunas sem qualquer explicação lógica e razoável, etc., etc.
É
tudo rapaziada que já ficou impune nos primeiros ciclos de vampirização dos
recursos públicos – como o foram os perdões fiscais de Oliveira e Costa, os
desvios do Fundo Social Europeu, as derrapagens das obras públicas de Cavaco.
Era o que faltava caírem agora, muitos deles já reformados e bem reformados,
com as vidas de luxo para filhos, genros e enteados bem gizadas e com o tempo
repartido entre passeios com os netos e almoços com aqueles jornalistas e
magistrados que contam.
Lamentavelmente,
não podemos conhecer uma parte substancial do processo, uma vez que 1138 folhas
das 2830 que constituem o mesmo não podem ser consultadas por decisão do DCIAP,
que igualmente proibiu a consulta dos anexos e apensos, numa decisão muito
provavelmente ilegal mas difícil e morosa de combater. Assim é-nos impossível saber
quanto tempo esteve o processo parado e porquê, quais as exatas dificuldades
com que se deparou, ou até qual o real entusiasmo do Ministério Público.
A
única certeza com que ficámos, para além da indignação de Dias Loureiro, é que
no fim quem paga a conta são os mesmos de sempre. Como disse um dia Martin
Luther King «nada no mundo é mais perigoso do que a ignorância sincera e a
estupidez conscienciosa».
Um bom dia para todos.
(Crónica na Rádio F - 17 de Abril 2017)