Entrou
há dias em vigor uma nova lei que obriga qualquer entidade, pública ou privada,
a atender prioritariamente pessoas com deficiência, grávidas, pessoas
acompanhadas de crianças de colo e pessoas com mais de 65 anos de idade.
Estes
direitos e deveres que já estavam mais ou menos consignados, por exemplo, em
organismos públicos como as repartições de finanças, são agora alargados a
praticamente todas as situações em que exista o denominado “atendimento
presencial ao público”.
Obviamente
que nunca serei contra leis que procuram obter um efeito comportamental
sociologicamente correto. Mas desenganem-se aqueles que acreditam que são leis
deste tipo que mudam realmente as coisas.
Não
sei quantas pessoas seriam capaz de identificar aqui a lei que proíbe atirar
lixo para o chão, na via pública. Eu, por exemplo, nem sei se existe uma lei
dessas. Acredito que a maior parte das pessoas também a desconheçam. Limitam-se
a não atirar lixo para o chão por uma questão de civilidade. Será
reduzidíssimo, se é que existe, o n.º de pessoas que algum dia não atiraram
lixo para o chão apenas pelo receio de serem multadas.
As
sociedades são mesmo assim, vivem cada vez mais numa espécie de paranoia do
política ou civicamente correto, tentando resolver com leis aquilo que julgam
ser os seus pecados originais. As leis são efetivamente necessárias, mas ainda
está por provar que em certas situações sejam uma melhor solução do que a simples
educação de base.
A
pretexto desta obsessão por leis que nos querem ensinar a sermos cidadãos
perfeitos, recordo-me de há uns tempos ter vislumbrado um debate nas redes
sociais a propósito de uma outra matéria, a do campismo selvagem. Em Portugal,
legalmente, só se pode fazer campismo, isto é, montar uma tenda e dormir dentro
dela, num parque de campismo ou num leque de muito poucas outras situações bem
delimitadas por lei. No norte da Europa, em países como a Escócia ou a Noruega,
prevalece a cultura de que a natureza é para ser fruída e por isso pode
acampar-se, por exemplo, no meio da serra da Estrela lá do sítio, o que inclui
as margens dos belíssimos lagos que por ali existem. Cá, seria um crime
ambiental com direito a coima!
O
mais interessante é que a lei sobre este assunto, campismo selvagem, por
exemplo, na Noruega, não ocupa mais de uma página A4 e meia. Chama-se “Lei de
Livre Acesso à Natureza” e, como todas as leis naquele país, teve de passar o
filtro de um painel de crianças com 10 anos de idade, antes de ser publicada.
Se as crianças não tivessem demonstrado que ela era simples e compreensível até
para uma criança, nunca teria visto a luz do dia.
Por
cá, e regressando à lei sobre o atendimento, fala-se em pessoas que apresentem,
e passo a citar, “evidente alteração ou limitação das funções físicas ou
mentais”. Ou em pessoa, e volto a citar, “que, por motivo de perda ou anomalia,
congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as
funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em
conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a
participação em condições de igualdade com as demais pessoas”. Perceberam
alguma coisa? Pois bem, eu também não. E muito menos se tivesse que me debater
com este articulado no meio de uma discussão sobre a prioridade de atendimento
numa fila para pagar o IMI na repartição de finanças do meu bairro.
No
caso das grávidas, a coisa é ainda pior. Cada um, sabendo-se que muitas
gravidezes podem só ser exteriormente percebidas a partir do 5.º ou 6.º mês, que
acredite ou não na invocação do direito. Só falta mais uma lei a exigir às
grávidas uma declaração médica para este efeito…
Para
resolver problemas, por favor não liguem o complicómetro. Basta educar as
crianças e fazer leis simples que elas percebam. É que se para Honoré de Balzac
a burocracia era um gigantesco mecanismo governado por pigmeus, para mim e
certamente para muita gente não passa da arte de converter o fácil em difícil
por meio do inútil.
Muito Bom Ano para todos.
(Crónica Rádio F - 2 de Janeiro 2017)