segunda-feira, janeiro 30, 2017

Ponto de Vista


Esta semana a grande discussão política em Portugal centrou-se no tema da baixa da Taxa Social Única, mais conhecida por TSU, e na sua relação com o salário mínimo. No meio do ruído que se criou, escapou a muitos portugueses a compreensão daquilo que realmente interessa, que é a questão do que é que é melhor para a economia.

Sempre que houve mexidas na TSU ou meras intenções para a alterar, houve polémica. E até uma gigantesca manifestação, quando o PSD de Pedro Passos Coelho quis baixar a TSU aos patrões e transferir esse encargo para os trabalhadores. Mas nem António Costa descobriu a pólvora nem Pedro Passos Coelho inventou a roda: na verdade, há muito que o aumento do salário mínimo vem sendo acompanhado de uma redução da TSU paga pelos empregadores à Segurança Social. É assim pelo menos desde 2010, com José Sócrates. Em 2014, quando estava no Governo, Passos Coelho também reduziu em 0,75 pontos percentuais as contribuições das empresas como moeda de troca para o aumento do salário mínimo para os 505 euros. Nessa altura, Passos Coelho apresentou essa medida como “estímulo ao emprego”, estímulo que pelos vistos desapareceu por ser proposto por outro partido.

A mim, como cidadão, o que me interessa perceber é se a redução da contribuição paga pelas empresas estimula mesmo a economia e impulsiona realmente o emprego. E se é esse o caso, porque é que não se mantém a TSU e se reduz em vez dela o IRC ou qualquer outro tipo de encargo para as empresas? É que qualquer eventual buraco na Segurança Social resultante de uma redução da TSU terá sempre que ser pago em última instância pelo orçamento do estado. De facto, há vários problemas que se levantam com a particular forma de apoio que representa esta redução fiscal.

Em primeiro lugar, o problema de se “tornar estrutural uma medida que se pensou sempre como temporária”. Apesar de o “bónus” não implicar os novos contratos que as empresas venham a celebrar este ano, cria-se uma “expectativa” nos patrões de que, para o ano, os trabalhadores que hoje forem contratados pelo salário mínimo lhes venham a sair mais baratos. Ou seja, incentiva de certa forma a contratação pelo salário mínimo. Basta lembrar que, em 2016, 37% dos novos contratos foram celebrados com o salário mínimo. São esses que este ano vão ter “desconto” aos olhos do empregador. É um incentivo que se pode tornar perverso porque reforça uma tendência negativa. Até António Bagão Félix, ex-ministro da Segurança Social próximo do CDS, concorda que a medida, ao ter muito pouco de temporária e quase tudo de recorrente, pode ter esse efeito “perverso”.

Em segundo lugar, a redução da TSU equivale sempre a um financiamento dos contribuintes às empresas para poderem aumentar o salário mínimo. Uma economia destas é uma “economia fragilizada, subsídio-dependente e baseada em baixos salários”, afirma Bagão Félix.

Em terceiro lugar, sempre para Bagão Félix, o problema da redução da TSU para as entidades empregadoras “discrimina negativamente” as empresas que vivam mais de mão-de-obra do que de tecnologia e de máquinas e “favorece” aquelas em que a percentagem de trabalhadores com a remuneração mínima é mais elevada, como é o caso da restauração e do turismo. Dá até como exemplo da ideia de um estímulo pouco agradecido por parte dos patrões a redução do IVA de 23% para 13% ocorrida recentemente, sem repercussão no preço final pago pelos consumidores.

Em suma, para o cidadão comum a discussão acalorada e pouco objetiva a que se assistiu assemelhou-se àquela que aconteceria se um corpo de bombeiros, no meio de um fogo, escaramuçasse sobre se era melhor para o ecossistema retirar-se a água para abastecer as suas viaturas contra incêndios do topo norte ou do topo sul de um determinado lago.

A forma como toda esta questão foi conduzida pode resumir-se numa afirmação: os partidos políticos portugueses são atualmente essencialmente constituídos por dois grupos de pessoas: um formado por gente totalmente incapaz, o outro por gente capaz de tudo…

Tenham uma boa semana.

(Crónica na Rádio F - 23 de Janeiro 2017)