Estou curioso! Sim, caros ouvintes olhem que estou
mesmo curioso. Agora que está encerrado o dossier das presidenciais, estou em
pulgas para perceber como vai Marcelo Rebelo de Sousa lidar com alguns dos contextos
que foram impactantes no resultado destas eleições.
Atentemos, por exemplo, na dececionante
prestação de Maria de Belém. Ou confrontemos o resultado do candidato do
partido comunista com o de Tino de Rans. Ninguém acredita que a culpa do
desaire eleitoral da candidata da ala direita do PS é culpa apenas das divisões
do partido. Ou que o espalhanço de Edgar Silva se deva só ao charme de Marisa
Matias.
Se por um lado Maria de Belém apontou um
canhão à cabeça quando se soube que fazia parte da lista de deputados que
protestaram no Tribunal Constitucional contra a revogação das subvenções
vitalícias dos políticos, não é menos verdade que o mesmo assunto há-de ter
sido a sua relevância no quase empate eleitoral entre Tino de Rans e Edgar
Silva. Só que aqui a coisa funcionou mais ao nível do subconsciente.
Não quero com isto insinuar que o candidato
comunista também defendia essas subvenções. Muito pelo contrário! Foi até muito
claro na condenação da situação. A coisa deu-se a outro nível.
Enquanto a campanha de Tino de Rans ou de Marisa
Matias os colocava a milhas de qualquer ideia de privilégio ou de colagem ao
sistema, Egar Silva nunca se conseguiu libertar da fórmula do candidato, entre
aspas, “já habitual”. Isto é, daquele candidato que afinal também é do sistema.
Sim, porque hoje já se pode dizer que o PC também tem lá o seu sistema…
Da mesma forma, Maria de Belém não conseguiu
descolar das suas antigas ligações ao grupo Espírito Santo na área da saúde e a
outros interesses do género. E então quando se soube da famigerada lista dos
defensores das subvenções vitalícias, foi um desastre. Um submarino com as
comportas abertas não teria conseguido afundar tão depressa.
Num contexto destes, a maioria dos eleitores
ou vota pelo sistema, ou vota contra ele. E dentro do sistema, claro, os
eleitores distribuem-se grosso modo pelas duas principais alternativas. Daí a
votação em Marcelo e Sampaio da Nóvoa. À margem do sistema, foram Marisa e Tino
de Rans os beneficiários. A questão é agora a de se saber como vai o vencedor
do sistema lidar como temas que mantêm vivo o “não-sistema”, e previsivelmente com
tendência para crescerem…
Um
povo martirizado e sofrido vai estar mais sensível a questões como aquela que
afundou Maria de Belém e, por arrastamento, à ausência de
estratégia e de coordenação do PS. Isto não é tempo para se comprarem faqueiros
de prata. Marcelo, que percebe mais destas coisas a dormir do que muita gente
acordada, terá consciência daquilo que escapou a Maria de
Belém
e também a uma parte significativa do partido que suporta o governo.
O problema é que a honestidade intelectual e
a ética, em política, têm um preço. Convém recordar que deputados da mesma
direita que apoiou Marcelo também subscreveram o pedido ao tribunal
Constitucional assinado por Maria de Belém… Se Marcelo se quiser tornar, digamos,
numa espécie de presidente “à Robin dos Bosques”, coisa populista que cai
sempre bem entre a arraia-miúda, vai a prazo ter contra si mais inimigos unidos
do que aqueles que gostaria. E não serão uns inimigos quaisquer, sabendo nós
que até no PSD há muito quem não morra nada de amores por ele...
Palpita-me que Marcelo vai estar cada vez
mais entalado entre a incoerência de um Tribunal
Constitucional que sustentou as subvenções com o argumento da dedicação à causa
pública - critério que já não aplicou à perda de direitos dos trabalhadores - e
uma realidade que não se compadece em nada com o colinho com que as televisões
o elegeram e que até inclui um “anti-sistema” robustecido e a pressentir
vitórias futuras. É por isso que estou mesmo curioso. E diz-nos a História que
não há nada mais perigoso para um político populista do que a curiosidade dos
outros.
E, já agora percebam que quando
a direita ganha a esquerda, TODA a esquerda, perde. Ou será que não?
Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio F - 25 de Janeiro de 2016)