O tema da educação é hoje, de novo, motivo
desta nossa crónica. Vamos falar dos rankings das escolas, um tema que deveria
levar a uma maior e mais profícua análise.
Para uma abordagem séria do tema importa
definir o termo que aparece subjacente a toda esta questão dos rankings. O
termo é inglês, designa-se accountability e de difícil tradução para português,
mas que grosso modo pode traduzir-se por responsabilidade.
E o que significa tal termo? Significa
avaliação, prestação de contas e responsabilização.
São os
resultados dos exames externos estandardizados, que constituem a base para a
organização de rankings das escolas, os quais, desde 2001, passaram a ser
divulgados para a opinião pública sem o consequente debate sobre os verdadeiros
objectivos de tais exames, a pertinência das metodologias utilizadas na sua
elaboração e aos efeitos sociais e educacionais da sua utilização. Os rankings
induzem efeitos de mercado – comparação entre escolas públicas e privadas, e
efeitos de quase-mercado, quando a comparação e a procura é feita entre escolas
públicas.
Ao nível
dos efeitos de mercado atente-se na ideologia reinante e a sua materialização,
num conjunto heterogéneo de medidas e decisões que se inscrevem numa orientação
neoliberal voltada para a privatização dos serviços do Estado.
Já ao nível
do quase-mercado, entre escolas públicas, assiste-se à concorrência e
competição entre instituições públicas que ao nível das escolas se traduz na
adopção de certos procedimentos de feitura de turmas e de distribuição de serviço
docente, ou a valorização de modelos e instrumentos de gestão que, directa ou
indirectamente, induzem ao individualismo competitivo e a sobrevivência
neodarwinista dos supostamente mais aptos, estudantes, professores e
funcionários.
Cumulativamente
surge a avaliação de desempenho de todos quantos estão directamente ligados com
a escola, e que advém dos resultados académicos dos seus alunos. Resultados
académicos sustentados em exames nacionais estandardizados, e uma outra,
centrada nos rankings das escolas, que sob a capa da responsabilidade escondem
interesses do mercado da educação, impulsionada, de forma decisiva por alguns
media privados de comunicação social.
É que
destas falsas responsabilizações não resulta o que qualquer cidadão deste nosso
país gostaria de ver aplicado, ao nível de todas as instituições escolares, públicas
ou privadas: avaliação, prestação de contas e responsabilização, que fosse
criativa, dinâmica e aberta, mas também avançada em termos culturais,
democráticos e epistemológicos.
A actual
pressão que se verifica sobre as escolas públicas quanto a rankings tem
essencialmente motivações de ordem ideológica, deixando, na penumbra uma
discussão aberta e amplamente participada que, com tempo de maturação e
aperfeiçoamento, pudesse dar legitimidade social a uma configuração de
responsabilização na educação.
Naturalmente
que, queremos uma sociedade democrática que concretize e pratique certos
princípios e valores fundamentais, não podemos deixar de defender a necessidade
de essa mesma sociedade estar bem informada e conhecer com o máximo de
objectividade possível o que ocorre nas suas instituições, nomeadamente nas
escolas, sejam elas públicas ou privadas já que pagas com dinheiros públicos.
Mas, não é
com a utilização de exames nacionais ou outras formas similares de avaliação
externa estandardizada, transformadas em instrumentos de controlo social,
redutores e fortemente centralizados no Estado, que se promove a avaliação,
prestação de contas e responsabilização adequadas à pluralidade de objectivos,
missões, estruturas e actores que constituem o sistema educativo. Não se
promove a escola pública, com a indução de lógicas de mercado, muitas vezes
conseguidas através de formas de comparação e competição espúrias, ou pela
introdução de mecanismos de privatização e de mercantilização da educação que
desvalorizam a escola pública enquanto escola comprometida com os princípios da
igualdade real de oportunidades para todos, da pluralidade de excelências, da
justiça educacional e da cidadania democrática. Importa saber que comparações
baseadas em resultados de exames e testes estandardizados têm como preocupação
as políticas que promovam o combate às desigualdades subjacentes a essas mesmas
estatísticas, tendendo assim, perante a diversidade e a heterogeneidade dos
estudantes e dos seus percursos, biografias, origens sociais, aprendizagens
reais e condições escolares, a silenciar a polissemia e a invisibilizar os
sujeitos. O desafio maior consiste em saber como desenvolver a responsabilidade
em educação com um carácter mais democrático. Um sistema de responsabilidade
democrático deve ser construído democraticamente e visar objectivos
democráticos, o que significa que não se pode criar nenhum sistema tecnicamente
asséptico ou politicamente neutro.
A escola
pública é um dos pilares da democracia.
Será que
percebem?
Tenham um
bom dia e uma boa semana.
(crónica na Rádio F a 25 de Novembro de 2013)