sexta-feira, novembro 22, 2013

Bravatearias, Partidocracias e outras Ineptocracias

Ficou-se a saber que o antigo presidente do conselho de administração da ULS da Guarda, Fernando Girão, candidato fracassado, do partido socialista à câmara de Foz Côa, foi condenado pelo crime de violação de correspondência, na forma de retenção, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na sequência de um processo judicial que ele próprio moveu contra dois médicos do Hospital Sousa Martins.
O caso, que remonta a Agosto de 2009, é de fácil entendimento e sem necessidade de grandes pareceres jurídicos constitucionais.
Os médicos Henrique Fernandes e Matos Godinho juntamente com mais de 50 clínicos da unidade de saúde promoveram um abaixo-assinado em que questionavam o primeiro-ministro José Sócrates relativamente à decisão de fechar algumas maternidades da região.  
Segundo o distinto administrador os médicos terão prevaricado ao usarem papel timbrado e envelopes da Unidade Local de Saúde para, pasme-se, dirigirem o referido abaixo-assinado ao ex-primeiro ministro José Sócrates, a outras entidades e …. ao próprio administrador da Unidade Local de Saúde.
O zeloso administrador reteve as cartas – excepto a que lhe era dirigida que não resistiu a ler - impedindo-as de seguirem para os correios remetendo-as dias mais tarde ao Ministério Público, com vista à instauração de um processo criminal contra os dois médicos (e não aos 50 e tal que subscreveram o documento), a quem acusou de cinco crimes.
Cinco crimes!!
Convém reflectir sobre tudo isto.
Em primeiro lugar, sobre a indómita coragem dos médicos. Foram simplesmente cidadãos. Não temeram os boys, nem a tendenciosa justiça de uma administração hospitalar 100% partidarizada, ou a lentidão da justiça coxa dos nossos Tribunais. Limitaram-se a ir em frente, contra tudo e contra todos. E ganharam. Com estrondo.
Em segundo lugar, sobre a infinita estupidez do acontecido.
Ou seja, um cidadão ergue-se do pantanal em que tudo isto se transformou e insurge-se contra o encerramento de um serviço público e, em contrapartida é acusado de cinco crimes.
Imagine-se de quantos crimes seriam estes mesmos cidadãos acusados se, em vez de protestarem em prol do desenvolvimento humano da região se tivessem dado um desfalque de milhões, contratado swaps ruinosos, abusado de criancinhas, construído Freeports ou assassinado uma qualquer viúva no Brasil? Imagine-se.
A verdade é que neste caso a justiça virou o feitiço contra o feiticeiro e, ilibando os médicos, condenou o autor da queixa. Num país onde todos sabemos como funciona a justiça, este caso suscita uma profunda reflexão a qualquer pessoa de bem.
Voltando ao crime do administrador Girão é preciso acrescentar que o tribunal de primeira instância, aqui da Guarda, o tinha absolvido. Percebido? Pois claro.
Porém, na sequência do recurso interposto pelo médico Henrique Fernandes e pelo próprio Ministério Público, o antigo administrador da Unidade Local de Saúde da Guarda viria a ser condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que igualmente determinou que os autos regressassem ao Tribunal da Guarda com vista à determinação da sanção (uma multa de 1 900 euros) e à apreciação do pedido de indeminização deduzido por aquele médico (pouco mais de 1 000 euros).
Face aos acontecimentos relatados não consigo deixar de recordar a popular definição de ineptocracia: «sistema de governo em que os menos capazes de liderar são nomeados pelos menos capazes de produzir, e onde os membros da sociedade com menos chance de se sustentarem ou de serem bem-sucedidos são recompensados com bens e serviços pagos pela riqueza confiscada de um número cada vez menor de produtores».
No entanto, não satisfeito apenas com a queixa ao Ministério Público, Fernando Girão instaurou internamente um processo disciplinar aos dois médicos. Além de promotor do processo disciplinar o administrador ainda quis – sem sucesso - ser instrutor e testemunha embora tenha conseguido ser carrasco condenando os dois médicos a multas que perfizeram um total de 32 872 euros. Deste processo houve recurso dos médicos para o Tribunal Administrativo de Castelo Branco e da qual ainda não há decisão.
Só pela gravidade do caso é que a narrativa não se transforma em, mais um exemplar raro do anedotário nacional.

(Crónica publicada no jornal "O Interior" a 13 de novembro de 2013)