segunda-feira, outubro 03, 2011

650$00....a esmola


“ Tendo sido admitido ao seminário o vosso filho, depois do estágio que aqui realizou, certamente ides preparar, com todo o cuidado, o que é necessário para a sua entrada no princípio de Outubro, ainda que isso vos vá exigir alguns sacrifícios. Estou certo de que aceitareis esses sacrifícios com alegria pedindo a Deus que vos conceda a graça de terdes um filho sacerdote.

A permanência do vosso filho no seminário vai também custar-vos alguns sacrifícios materiais, mas vós bem sabeis que a vida tem encarecido muito e que é grande a despesa que se faz com a sustentação e educação dos seminaristas.

Como responsável da economia do seminário, venho dar-vos alguns esclarecimentos sobre este assunto e pedir a vossa atenção para o seguinte:

1º - A mensalidade a pagar é de 650$00.
… 2º, 3º, 4º, 5º e
6º- Se algum aluno, por qualquer motivo, abandonar o seminário temporária ou definitivamente, deve liquidar todas as contas antes de sair, sem o que não poderá levantar as suas coisas.

(Em anexo lista do enxoval)
…. O ecónomo auxiliar…"

Leu a carta mas não ma deu a ler e andou toda a tarde calada. À noite, quando chegou o marido, fez a leitura em alto e rematou sobre o silêncio da testa engelhada do ganha-pão da família, ignorando, fingida e inteligentemente, a minha presença:
- Já lá vai o tempo em que se estudava para padre de graça!
- Puta que pariu os padres! Tu queres lá ver?! Isso é um terço do que eu ganho! Ainda só temos dois mas mais meia dúzia deles podem acontecer que a cana ainda incha todos os dias!

E eu, sem perceber por que obra as canas ali eram chamadas, deitei para o meio dos dois um soluço e deixei ver uma lágrima que provocou incómodo no caminho que o diálogo estava a tomar.
- Ó homem deixa de falar assim à frente do pequeno! Amanhã vou falar com o padre e logo se vê! Ou descem o preço ou assim não vai! Quanto à roupa, a tua irmã Carolina, de Lisboa, está cá de férias… o Carlitos muda de roupa todos os dias, é mais gordo do que ele e há-de para lá ter muita roupa que já não usa.
Apeteceu-me fechar o assunto e falar que nem um homem “ Pronto que se lixe! Vou para toureiro ou para acordeonista!”
Mas o orgulho falou mais alto! Não suportaria assumir a desistência perante pedreiros, resineiros, criadores, taberneiros e respectivos descendentes, que há meses me atazanavam a cabeça: “ quando tu fores padre, eu sou bispo!”; “hás-de dar um lindo padre!”; “não te dou nem um mês!”; “queres ter as mulheres todas!”; “vais ser capado!”; “padre nunca!”; “ó padre nunca”.
Gostei disto. Aqui.