À cidade da Guarda já chegaram os tempos de aplaudir de pé todo o anúncio de obra, por mais estapafúrdia que seja. Em tempos de crise e, principalmente, em época de pesca – ao voto - o preenchimento de espaços em branco, voltam a ser tema de propaganda. O aplauso, com ambas as mãos mas, na maioria das vezes com o sinal da subserviência, bacoca e parola, própria dos que a tudo estão dispostos para se banquetearem no repasto dos dinheiros públicos e, das promessas de emprego, agudizando-se na consciência dos contrastes do anúncio de desenvolvimento e, principalmente, na acção cívica dos cidadãos.
Depois, surge o medo, que se instala como se de uma da pandemia se tratasse.
Medo de denunciar; medo de dizer; medo de fazer; medo de participar.
O medo instalou-se, definitivamente, nas consciências, atitudes e actos de muitos cidadãos do concelho da Guarda. Mas, também, obriga a que outros, quando necessitados, se obriguem a prestar vassalagem ao reizinho; se obriguem a estender a mão como se de uma caridadezinha se tratasse, e não do direito a que cada um ou a cada instituição lhe assiste de receber o que lhe é devido.
O futuro conjuga-se com o tempo e o modo do verbo amordaçar. É um presente de indicativo, imposto mas, de todo, um futuro com um indicativo na hipoteca de duas ou mais gerações. Será legítimo condenar, as gerações futuras, às patéticas opções de despesismo dos senhores do poder de hoje?
Vergonhoso!
Como disse António Sérgio, importa abrir as largas avenidas da discussão, num tempo dominado pela moda do acervo do quero, posso e mando.
Só que as avenidas que se abrem nada têm a ver com a discussão aberta das ideias mas, cada vez mais, com os interesses, dos mais variados campos e índoles tão díspares que vão desde os urbanísticos, financeiros, da saúde, da educação, da justiça todos eles corrosivos e tóxicos. Assiste-se à ofensiva ideológica quer da direita e, noutros casos, à troca de roupagens de um passado bem presente, como se nada tivesse acontecido, contra as metas sociais, por enquanto, ainda só consagradas na Constituição da República Portuguesa.
São os exemplos de sempre, de uma linhagem do poder central, complementados, alinhados e projectados numa maioria de mais de trinta anos na Câmara da Guarda.
Esquecem-se de dizer, nos ad eternum anúncios, que o futuro não se compadece com práticas com cheiro a naftalina, usadas e gastas. Essas, felizmente, pertencem anímica e funcionalmente ao domínio degradado do arqueológico, por mais revisitado e tentado, nas mais variadas roupagens.
Em travessão duplo no modal discurso da retórica da inoperância, salta apenas aos olhos os tempos da campanha, para quem ainda quer morder este podre engodo.
Neste tempo, era premente que todos os cidadãos dessem o seu contributo à discussão do futuro do concelho. Como disse Antero de Quental não se pode viver sem ideias, assim também o pensamos.
Ideias que possibilitem a renovação da democracia com debate ideológico que perspective um futuro diferente para o concelho. Sem ameias nem amarras às concepções e interesses de alguns em prejuízo de muitos.
Que se devolva a cidade aos Guardenses. Que se possibilite a cada cidadão a ter ideias sobre o seu bairro, a sua avenida, a sua cidade. Uma cidade, uma praça, um bairro também educam. Que o orçamento da Câmara seja participativo, aberto à discussão dos cidadãos e não elaborado nos gabinetes onde os interesses individuais e corporativos determinam a vida das pessoas. Que haja rigor e transparência em todos os actos camarários, combatendo de uma vez por todas a especulação, corrupção, concursos feitos à medida das entradas pela porta do cavalo ou da égua.
Que se respeite, com a devida dignidade uma HISTÓRIA de mais de oito séculos. Que se acabem com os vergonhosos atentados ao património cultural, histórico e humano. Que se veja em qualquer cidadão não um número mas um ser humano, com direitos, principalmente o da sua inclusão social, independentemente da sua cor da pele, estrato social, opção política, religiosa ou sexual.
Como temos memória, lembramo-nos das promessas não cumpridas e dos projectos e metas não alcançadas, por inoperância, inércia e inépcia instalados. Mas, também lembramos o muito que foi mal feito e prejudicou, irremediavelmente, nalguns casos, a vida dos Guardenses. A mediatização do acto eleitoral antecede, no discurso directo, o invocar do interesse público: «graves problemas de degradação, desadequação estrutural e organizacional e deficiências de construção as quais exigem uma intervenção profunda e imediata». Claro que sim!! Só que a solução não é nem NUNCA poderá ser a delapidação do que é público. Isso NUNCA!!!
Houve alguém que definiu o mérito associado a insectos que se fingem mortos, para não fazerem nada em “demasia”.
Começamos a ser assíduos de um sentimento de aversão ao timbre arcaico, que pesa no fatalismo da interioridade. Começamos a ser assíduos de um sentimento de revolta contra esta coisa barulhenta e esganiçada do oblíquo anúncio cheio de brilho e descaradamente paralisante e estéril que abruptamente nos conduz ao precipício.
Basta!
(artigo publicado no jornal «O Interior», a 6 de Agosto 2009)