segunda-feira, setembro 12, 2016

Crónica


Rudes, ignorantes, tiranetes, e outros que tais

A propósito de mais um aniversário de António Lobo Antunes, lembrei-me de que o psiquiatra e escritor já em 1991 confessava a sua desconfiança visceral dos políticos e dos militares: “O desejo de servir os outros será assim tão puro? Vejo a forma como lutam pelo poder, quase histérica. Nunca estão perto de nós, servimos para votar e, nos intervalos, com extrema arrogância, falam em nosso nome».

Vem isto a propósito de certos comentários ressabiados que Álvaro Amaro terá feito numa reunião de câmara a propósito das críticas que vai ouvindo sobre a «sua» gestão camarária. Álvaro Amaro não sabe e já se percebeu que nunca saberá o que é uma democracia. Para ele, a liberdade de pensar é puro niilismo ou perversidade. Homem detentor de pouca ou de nenhuma cultura é, sem o saber, um defensor do quietismo de Fénelon, filosofia em que a ação representa um erro. O desejo de alguém agir ou de reagir ofende o deus, deus esse que é o único que tem esse direito. E o único deus que Álvaro Amaro imagina a andar por aí é a si próprio. Uma espécie de Nicolas Maduro em ponto pequeno. Ou, para sermos mais geográficos, à moda da Guarda.

A política do interesse próprio serve e serviu de teta, colidindo com o princípio de que todos na vida pública têm obrigatoriamente de prestar contas sempre que são questionados, e não apenas de 4 em 4 anos. De preferência com humildade e cortesia.

Um tiranete esquece-se facilmente que na vida política os cargos desempenhados por eleição são passageiros e efémeros. Não percebe que quando alguém diz não, isso não significa forçosamente uma intenção de bloqueio ou obstrução, mas tão só a manifestação de uma opinião diferente. Ninguém é dono da palavra e muito menos da razão.

Alguém dizia que o poder sem moral se transforma em tirania. Que esta é a autoridade sem equilíbrio. Para um tiranete de terceira categoria, uma espécie de homo sapiens cafajesties modernus amante da volúpia e do egoísmo, o poder é materialmente conferido pelos votos, mas sem qualquer sujeição ao conceito democrático de reversível delegação de competências para gestão de assuntos dos outros, de preferência bem.

Se o tiranete é ignorante, julga que são apenas os eleitos que pensam. E que só a eles compete decidir. Não percebe que pensamento e decisão se distinguem pelas consequências do ato, e que o ato gera responsabilidade sendo por isso passível de crítica.

Se para mais o tiranete é bruto, transforma-se numa metástase daquela peregrina ideia de Cavaco, segundo a qual «nunca me engano e raramente tenho dúvidas»! A verdade é que tem, como toda a gente. Só que não sabe. E por isso não sei se é mais grave o seu desconhecimento dessa realidade ou a simples falta de perceção do mal que a sua petulância espalha. Talvez por isso, compensa a intolerância com demagogia.

Os demagogos utilizam e viciam os seus discursos com frases do género «eu fui eleito para fazer isto avançar e não para fazer parar». Avançar? Parar? A demagogia é a capacidade de vestir ideias menores com palavras maiores. Para um demagogo, um político brilhante é aquele que não tem tempo de fazer o seu trabalho para poder falar do muito que faz. Um demagogo que se preze é por isso ainda mais perigoso e desprezível do que um fundamentalista. Ao menos, este, tem fé. O demagogo, nunca! E, não a tendo, tem de compensar com qualquer coisinha. Precisa pelo menos de alguma sabedoria, sob pena de cair no ridículo. Que é aquilo que diferencia um tiranete de um tirano a sério.

Álvaro Amaro esquece-se, na sua ignorância destes princípios basilares, que aqueles a quem denomina de «infelizes da política» nunca precisaram dela para viver ou para fazerem viver amigos e familiares. Para ele a cidadania é uma espécie de vírus que não pode nem deve infetar a sociedade. Prefere sempre um mar calmo, mesmo que daí não nasça bom marinheiro. Mais importante do que isso, esquece-se que um cidadão até pode vir a ser um dia, por uma improvável conjugação dos astros, presidente de uma câmara qualquer. O que não significa que o inverso seja forçosamente verdade.
 
(Crónica jornal O Interior - 7 de Setembro 2016)