quarta-feira, dezembro 14, 2022

Ponto de vista

Comemorou-se no dia 9 deste mês de Dezembro «O Dia Internacional contra a Corrupção». Foi a 31 de Outubro de 2003 que a Assembleia Geral das Nações Unidas tomou a resolução de a cada dia 9 de Dezembro  se comemorar o «Dia Internacional contra a Corrupção». O objetivo é sensibilizar para o combate e prevenção da corrupção, de modo a mobilizar recursos para a combater. Este dia, segundo a Assembleia Geral das Nações Unidas procura realçar a importância da ligação entre a luta contra a corrupção e a paz, a segurança e o desenvolvimento. No seu cerne está a noção de que combater este crime é o direito e a responsabilidade de todos, e que só através da cooperação e do envolvimento de cada pessoa e de cada instituição poderemos superar o impacto negativo deste crime. A narrativa é excelente só que a prática revela-se inadequada para realizar tão digna proclamação. A corrupção é apontada como uma das principais ameaças aos Estados de direito democrático. E Portugal não escapa a este flagelo. Basta estar minimamente atento ao que se passa no país e percebermos quão a corrupção atinge toda a vida dos portugueses. Todos os anos e apesar das várias recomendações internacionais o nosso país continua a deter os piores lugares no índice de percepção da corrupção. Portugal é um dos 26 países da Europa Ocidental e União Europeia abrangidos por relatórios internacionais que denunciam que não se registaram evoluções significativas na luta contra a corrupção. Em Julho de 2022, dados do Eurobarómetro demonstraram que o nível de corrupção aumentou em Portugal nos últimos três anos. Mas também a Transparência Internacional veio alertar que Portugal, juntamente com outros 46 países recuaram no combate contra a corrupção nas atividades que as respectivas empresas mantêm no estrangeiro. O governo lançou um plano de combate à corrupção que designou de «Estratégia Nacional de Combate à Corrupção». Mas a ironia das ironias acaba por deixar de fora do seu âmbito os “gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania e, também, o Banco de Portugal”. Mais uma das múltiplas hipocrisias da classe política. Mas pior, uma parte das normas desta dita «estratégia» foi revogada menos de um trimestre depois de ter entrado em vigor. Bastou para tal que um lobby fizesse a pressão correta nos locais certos, que a política cedeu e o Parlamento, o mais soberano de todos os órgãos, que havia aprovado por unanimidade as alterações, foi vencido por um grupo. Em Portugal a transparência de todos os actos públicos não existe. Ao cidadão civicamente responsável é-lhe vedado ou obstaculizado o acesso a todos os actos públicos em nome do confidencialismo e do compadrio. Quantos casos são barrados do conhecimento público? São milhares! Portugal sempre foi um país extremamente corrupto. Ao longo da nossa História a corrupção foi sempre modo de vida e de sucesso para a vã glória. Lembrar que a corrupção é um crime, previsto no Código Penal e pode existir nos mais diversos setores de atividade. Quem aceitar receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço incorre no crime de corrupção. Todos sabemos que a corrupção tem fatores potenciadores, como o excesso de burocracia, a falta de escrutínio, a falta de integridade, a concentração de poder ou seja qualquer função que permita exercer poderes, até, alegadamente, no caso da Magistratura. A tal Estratégia Nacional de Combate à Corrupção propõe canais de denúncia nas empresas. Mas quem é o trabalhador dependente que vai, no seu juízo, denunciar a sua empresa, quando sabe que tal denúncia não só vai trazer problemas aos gestores ou acionistas, mas vai poder pôr em causa a própria sobrevivência da empresa, e, assim, do seu posto de trabalho? Sejam realistas e deixem-se de aldrabices para enganar os cidadãos. É necessário e urgente apostar na formação e na aprendizagem da luta contra a corrupção nas escolas para incrementar a aposta nas mudanças de mentalidade e de cultura, que são um pilar essencial à democracia. As mudanças culturais não se fazem à força de penas de prisão, nem de confiscos, nem de perdas alargadas, nem seja o que for de sancionatório. Podem impor a perpétua que continuará a ocorrer, como o fenómeno criminal mundial o demonstra mesmo em países em que tal pena existe. Faz-se com educação e formação cívica. Demora uma ou duas gerações, mas resulta. É na educação que se deve apostar, logo no ensino básico, como se faz com as políticas de reciclagem, do vidrão, da consciência climática. Eduquem com profissionalismo crianças e jovens e teremos muito menos criminosos.

Aqui chegados,  uma pergunta nos ocorre. Teremos realmente algo para celebrar? Sim, é verdade que hoje temos uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Mas é suficiente? Não, não é! Pelas razões já expostas. Que esperar de uma classe política que demorou quatro anos a ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Preciso dizer mais alguma coisa? Sabemos que a quantidade de casos mediáticos com que os portugueses têm sido sistematicamente bombardeados foram-nos levando ao longo do tempo a adotar uma postura conformista perante o problema que é a corrupção. Pois bem, não podemos mais! Este fenómeno é um enorme entrave para a persecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, num momento tão crítico como o que atravessamos. É verdadeiramente importante que todos sintam que esta é uma luta de todos, e que todos individualmente, até através de pequenos gestos no nosso dia-a-dia podem fazer a diferença, pois para esta luta todos seremos poucos. No dia em que preparámos esta crónica o escândalo rebentou em Bruxelas. Um tribunal italiano confirmou a detenção domiciliar da mulher e filha do ex-eurodeputado Pier Antonio Panzeri. A filha, a socialista grega Eva Kaili, é só a vice-presidente do Parlamento Europeu e é acusada de alegadamente participar num lóbi ilegal no Qatar para influenciar decisões políticas no Parlamento Europeu. Lembrar que a vice do Parlamento Europeu, agora detida, publicou recentemente um tweet a elogiar o Qatar, país organizador do Campeonato do Mundo de futebol de 2022, após uma reunião com o ministro do Trabalho qatari.E falam eles, e com razão dos outros. Mas olhem também para o vosso umbigo.

Esta é a última crónica deste ano.

Tenham um bom ano de 2023.