O tema foi devidamente explanado pelo sociólogo alemão Ulrich Beck que publicou em 1986 uma obra com o título “A Sociedade de Risco Mundial, em busca da segurança perdida”.
Nesta obra que se viria a tornar um clássico da sociologia contemporânea, Ulrich Beck chama a atenção para uma série de perigos, tanto naturais como da lavra do Homem, que gradualmente foram moldando a nossa perceção das sociedades contemporâneas.
Nos 20 anos que passaram desde a primeira edição da obra, o terrorismo tornou-se global, as crises financeiras, e em especial a de 2008, geraram consequências que escapam ao controlo dos políticos e as alterações climáticas tornaram-se um assunto na ordem do dia.
De modo geral, a sociedade de risco designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna em que os sucessos da modernização industrial passam a gerar efeitos colaterais imprevisíveis, diagnosticados como causa de danos e destruições (ambientais, económicos, políticos e individuais) e, num segundo momento, como riscos cientificamente projetados e social, económica e politicamente percebidos e geridos. Efeitos estes que tendem a escapar aos mecanismos de controle e proteção institucional da sociedade industrial.
A sociedade de risco é caracterizada por uma ambivalência expressa: o progresso técnico-económico não necessariamente corresponde a progresso social.
A Sociedade de Risco é uma análise oportuna e abrangente da dinâmica estrutural do mundo moderno, da natureza global do risco e do futuro da política global.
Os desastres ambientais tendem a crescer com o aquecimento global provocando eventos extremos cada vez mais frequentes, mais letais e mais caros.
O que até há anos se discutia no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo.
No novo conflito ecológico, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças.
A civilização global, desde o início do uso dos combustíveis fósseis há 250 anos, conquistou inúmeras melhorias no padrão de vida da população. Houve redução das taxas de mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, elevação das taxas de escolaridade, avanços na qualidade das habitações e melhoria geral do padrão de consumo.
Contudo, o enriquecimento humano ocorreu de forma socialmente divergente e às custas do empobrecimento do meio ambiente.
Como mostrou Ulrich Beck as primeiras fases do capitalismo foram marcadas por uma disputa pelo excedente da produção económica entre o capital e o trabalho, o primeiro procurando aumentar os lucros e o segundo procurando melhores condições de vida. Havia um conflito distributivo, mas o ambiente era de prosperidade geral, embora desigual e combinada.
Porém, o contínuo crescimento da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica ultrapassou a Biocapacidade do Planeta, gerando um déficit ambiental crescente.
Desta forma, a realidade mudou, a oferta de combustíveis fósseis chegou ao pico e os danos ambientais passaram a se sobrepor sobre a distribuição de ganhos, com o mundo entrando na Sociedade de Risco, onde: “o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” segundo as próprias palavras de Beck.
Esta nova realidade foi confirmada por um relatório da ONU, que mostra que os impactos das mudanças climáticas e da falta de percepção dos riscos levaram a um aumento das catástrofes “naturais”.
Lançado no dia 26 de abril de 2022, o relatório confirma que, num curto intervalo de tempo, o mundo assistiu a um aumento sem precedentes do número de catástrofes “naturais”, e a ação humana pode piorar ainda mais o cenário no futuro.
Nas primeiras duas décadas do século XXI, foram registados, por ano, entre 350 e 500 desastres médios a grandes. A crise climática, que gera eventos atmosféricos extremos, são a principal causa do aumento das ocorrências. Ainda segundo relatório da ONU, os governos não fizeram o suficiente para evitar o risco de desastres, o que deixa a humanidade amplamente desprotegida para o que está por vir. Como afirmou a secretária-geral adjunta da ONU, o rumo que seguimos atualmente está a colocar a humanidade numa “espiral de autodestruição”. Nas projeções do relatório, os desastres podem aumentar para 560 por ano até 2030, ou seja, cerca de 2 por dia.
E como sempre nestes eventos com origem humana, o impacto é maior sobre as populações mais pobres. Outro fator que aumenta os riscos de desastres e conflitos é o Pico do Petróleo.
Alguns analistas e os meios de comunicação tendem a fazer crer que todos os nossos problemas económicos são conjunturais e podem ser resolvidos no médio e longo prazo com aumento da produção. Acontece que o Pico do Petróleo representa um limite para o aumento da extração. Quotidianamente, são divulgados mitos dizendo que grandes quantidades de combustíveis fósseis estarão disponíveis no futuro ou que as energias renováveis vão suprir toda a falta de petróleo.
Mas como é referido por vários analistas hoje em dia o mundo está a viver um déficit sério de petróleo bruto.
Podemos esperar um novo conjunto de problemas, incluindo muito mais conflitos.
Os meios de comunicação contarão cada vez mais a narrativa que os seus proprietários e anunciantes querem que seja contada, com pouca consideração pela situação real.
Em resumo, os desastres ambientais tendem a crescer com o aquecimento global provocando eventos extremos cada vez mais frequentes, mais letais e mais caros. A elevação do preço dos combustíveis fósseis tende a empobrecer a população e aumentar os conflitos nacionais e internacionais. Desta forma, não resta dúvida de que a acumulação capitalista e a simultaneidade das crises ambientais, energéticas e alimentares – provocadas pelo crescimento desregrado e insustentável das atividades humanas – podem ser o gatilho para acelerar a “espiral de autodestruição”. A leitura da obra de Ulrich Beck “A Sociedade de Risco Mundial em busca da segurança perdida” é uma boa forma de percebermos o que faz movimentar tantos interesses.
Tenham umas boas férias.