Para
Guy Debord, em A Sociedade do Espectáculo, «nunca o poder foi mais perfeito,
pois consegue falsificar tudo, desde a cerveja, o pensamento e até os próprios
revolucionários. Ninguém pode verificar nada pessoalmente. Ao contrário, temos
de confiar em imagens, e, como se não bastasse, imagens que outros escolheram.
Para os donos da sociedade, o espectáculo integrado é muito mais conveniente do
que os velhos totalitarismos». Fim de citação.
Face
a esta constatação sobre o poder, esqueçamos um pouco a questão dos vencimentos
galácticos dos novos administradores da CGD e o espectáculo hipócrita da
exigência de apresentação da declaração de rendimentos e de património.
Na
verdade, quer queiramos, quer não, essa questão há muito que está decidida,
como o tempo o demonstrará. Vamos por isso procurar mas é a razão para toda
esta polémica e a origem dos verdadeiros problemas.
Soube-se
agora que a CGD se arrisca a perder uma autêntica fortuna no "caso La
Seda". A novela é mais simples de explicar do que de compreender: há
precisamente dez anos a CGD recebeu orientações políticas para entrar numa
aventura industrial luso-espanhola que se viria a revelar um erro tremendo.
Estiveram
envolvidas a espanhola La Seda e as portuguesas Selenis e Artlant, numa relação
que se prolongou entre 2006 e 2010. A fazer de santo casamenteiro, com a bênção
inconsciente de todos nós, esteve sempre a CGD. As orientações políticas para
esse casamento vieram de José Sócrates e do seu ministro Manuel Pinho, aquele
da cena dos corninhos na Assembleia da República.
Foram
executantes materiais desta espécie de menage-à-trois os socialistas Carlos
Santos Ferreira e Armando Vara, à altura administradores na CGD. Este facto, só
por si, evidencia as inaceitáveis cumplicidades entre muitos gestores bancários
e as mafiosas orientações dos governantes.
Hoje,
o casamento desfez-se e as três empresas em causa encontram-se insolventes. A
factura já ultrapassa os 900 milhões de euros. Ou seja, quase 22% do esforço
público de recapitalização (que é de 4100 milhões) que vai ser feito na Caixa
(e que é no total de 5200 milhões).
Mas
este é apenas um dos dossiers que ajudam a perceber a degradação do balanço do
banco do Estado, que entre 2011 e 2015 contabilizou mais de 6000 milhões de
créditos perdidos, e no fim, de todo o sistema bancário.
Por
exemplo, a administração da CGD emprestou mais de mil milhões a accionistas do
BCP para, em 2007, entrarem na guerra de poder dentro da instituição
concorrente. Nem quero imaginar o que mais descobriríamos se efectivamente
algum dia fosse realizada uma auditoria independente ao funcionamento da
instituição, digamos, nos últimos 15 anos.
E
o problema de fundo nem sequer é esse. O problema é que os portugueses já
carregam às costas, escondida na sua dívida pública, a pena de terem de pagar
também por todas as vigarices da banca privada.
A
mensagem que recebem do sistema é sub-liminar e por vezes envergonhada, mas
realmente muito clara: quer optem ideologicamente por um sistema totalmente
assente nas regras de mercado ou por um sistema em que o Estado assuma um papel
importante e estratégico na economia e na finança, serão sempre eles quem no
fim paga a factura.
Isto
equivale a uma sentença de morte para qualquer democracia. Ao cidadão é
concedida a possibilidade de votar e em troca concedem-lhe o estatuto de uma
espécie de escravo. E garantem-lhe, através do engordar mafioso de uma dívida
pública absolutamente impagável que também os seus filhos e netos serão
eternamente escravos.
Na
Roma antiga, qualquer cidadão podia ser convertido em escravo por causa de
dívidas. Os políticos conseguiram fazer isso, hoje, connosco, em massa. É caso
para se dizer que há sonhos que só se realizam verdadeiramente passados mais de
dois mil anos. É obra! Muito bom dia.
(Crónica
na Rádio F - 7 de Novembro de 2016)