quarta-feira, junho 22, 2016

Ponto de vista


A cidade da Guarda continua, infelizmente, a ser palco das mais variadas manifestações de chico-espertismo que se possam imaginar.

Não vou aqui falar-vos do coro de protestos sobre os manequins que, num certame em Lisboa, fizeram a apresentação do célebre cobertor de papa da região a expensas de todos nós, contribuintes. Nem da posterior tentativa de se emendar a mão, abrindo-se ao povo a possibilidade de se ser figurante em passerelle do teatro municipal, à pala dos ditos cobertores.

Nem sequer de uma exposição de vinhos no espaço de um museu que em tempos foi cedido ao patriarcado para se mostrar arte sacra! Num país em que alguém decidiu transformar o mosteiro de Alcobaça em hotel, já nada nos pode espantar e até a reconhecida mestria de Álvaro Amaro na criação do ridículo se dilui ingloriamente no todo nacional…

Vou falar-vos de obras, aquelas que estão por fazer, as que têm de se fazer e as outras, as que são mesmo de Álvaro Amaro.

Da reunião do executivo camarário constaram esta semana, na ordem de trabalhos, 24 pontos. Desses, 17 diziam respeito a requalificações de rotundas, beneficiação de estradas nas freguesias rurais, repavimentações, obras de regeneração urbana como a da rua do comércio, o jardim José de Lemos, o parque municipal, requalificação de escolas, reabilitação do chafariz da dorna, etc. Enfim, um mundo de obras e mais obras revelador do muito que deveria ter sido feito há muito tempo, como é o caso da ETAR, dos efluentes lançados directamente naquilo que um dia foi o rio Noéme, das freguesias sem abastecimento de água e sem rede de saneamento, por exemplo. Nada que meta medo a Álvaro Amaro.

Não é difícil perceber-se que, gorado o seu projecto de candidatura a Coimbra, o alvarinho já se encontra em campanha eleitoral pela província. É ver por aí trabalhadores com sachos e pás às costas a trabalharem no embelezamento das rotundas, quais soldados de um verdadeiro general comandante. Trabalham toda a semana, incluindo ao sábado! Tudo para que daqui a um ano apareça, exactamente na altura das eleições, obra feita como nunca se viu!

Naturalmente que, respeitando a imagem de marca da gestão de Álvaro Amaro, tudo isto é feito à custa de ajustes directos… Por isso não tenho dúvidas de que se o nosso grande líder fosse tão habilidoso a construir como é a ajustar, a Guarda poderia alcandorá-lo ao pedestal de um audaz construtor de pirâmides! Claro que, como a Guarda já é bem alta, ficamo-nos por umas rotundazinhas a preços de nos porem a cabeça à roda.

Do mal, o menos. Teremos ainda assim, para salvar a escala monumental, um cubo de cristal no valor de mais de 68 mil euros ou uma prestação de serviços para o projecto da escultura «portas da cidade» no valor de quase 75 mil euros. E, olhando para estes valores dignos da cegueira de um faraó ou imperador, que não vos passe pela cabeça queixarem-se dos míseros 8 mil euros que já voaram no aluguer de stands para as festas dos Santos Populares nas freguesias ou dos 24 mil euros previstos para iluminações dos mesmos. Uma cidade com um presidente da câmara ao nível de um Deus construtor de memórias não se compadece com munícipes de bolsos apertados e espírito forreta.

A Guarda, de facto, mesmo falida, não é para pobres. Os bons exemplos são para seguir, sobretudo por um povo que não percebe nada disto. Que interessa de facto que os preços dos serviços municipalizados subam exorbitantemente ou que se mantenham as carências ao nível de infra-estruturas básicas de saneamento e comunicação?

Já diziam os romanos que o povo quer é pão e circo. E Álvaro Amaro, dividido entre uma faraónica divindade e uma imperial dignidade não fica nada atrás de um Nero ou de um Calígula, já para não falar de um Cómodo que até combateu na arena. É que Álvaro Amaro está cá para a luta, e se não for à espadeirada há-de ser pelo menos com rotundas e papas.
Venha por isso o S. João, que o arraial está montado! Haja dinheiro para as arrematações, que lá pelos Santos, quando o frio começar a apertar, os cobertores vão ser precisos.
Um bom dia para todos!
 
(Crónica na rádio F - 20 de Junho de 2016)