A semana que findou trouxe, de novo, a Guarda para a ribalta das notícias nacionais. E, mais uma vez, pelas piores razões. Falo dos processos em que são arguidos Álvaro Amaro, dois vereadores e duas funcionárias camarárias.
Já muito se disse sobre a corrupção em Portugal. Recordo-me, assim de passagem, de casos como o do fax de Macau, do Fundo Social Europeu, das faturas falsas, do Taguspark, dos submarinos, do saco azul de Felgueiras, do caso da mala, do Freeport, do BPN, do Face Oculta, da Operação Marquês, dos vistos Gold, do BES, do Apito Dourado, do E-Toupeira, envolvendo suspeitas de crimes como corrupção, peculato, tráfico de influências, falsificação de documentos, fraude fiscal, branqueamento de capitais, abuso de poder e prevaricação. O facto de estes casos se repetirem diz muito sobre o sucesso da sociedade na luta contra a corrupção.
A verdade é que 64% dos portugueses se mostram tolerantes com a corrupção, desde que esta lhes traga benefícios ou à população em geral. Esta forma de pensar explica que a abstenção em actos eleitorais aumente quando não há benesses a distribuir. Tudo isto revela a falta de cidadania e de ética na maioria dos portugueses. Não conseguem valorizar a qualidade da democracia e perceber que um emprego dado a um incompetente prejudica a eficiência do serviço público e prejudica-os a eles próprios. Não percebem que a corrupção prejudica a concorrência económica e, por conseguinte, os consumidores, ou seja, novamente eles próprios. Lesa o património público, compromete a vida das atuais e das futuras gerações, aumenta a desigualdade social, reduz o investimento estrangeiro, aumenta os custos de financiamento público, aumenta o défice, denigre a democracia, destrói a confiança dos cidadãos nas instituições, corrói os sistemas político e judicial e a administração pública.
A justiça enfrenta vários e sérios constrangimentos que beneficiam a manutenção do estado a que isto chegou. Desde logo, a escassez de recursos, a ausência de resultados, a ausência de especialização, a burocratização da investigação criminal, a concentração de poderes judiciais no que concerne aos altos cargos, o desprestígio dos tribunais de primeira instância, a falta de sistematização da informação e a excessiva dependência da denúncia. O resultado é a inconsequência da justiça, à custa de alçapões que são o refúgio de corruptores e corruptos.
Olhemos para os exemplos dos países que estão no top da anticorrupção – Nova Zelândia e Dinamarca. Há uma administração pública altamente transparente, com mecanismos burocráticos otimizados e absolutamente focada na eficiência dos serviços que presta. Foram criados instrumentos legais que permitem separar claramente a administração da política. Além disso, o princípio da economicidade é chão comum às políticas públicas: os recursos públicos são objetivamente tratados como escassos e, na sua aplicação, o contribuinte é visto como um normal cliente a quem deve ser conferido um tratamento com um elevado grau de exigência. Evita-se a criação de grandes clivagens salariais nas carreiras públicas, além de implementar e monitorizar o modelo de ascensão na carreira dos funcionários públicos através de uma política objetivamente meritocrática. Mas todas estas medidas só fazem sentido se existir uma população crítica, exigente, educada para a responsabilidade e que se reveja nas atitudes dos seus políticos. Os exemplos de seriedade e de isenção devem existir por parte dos governantes, sejam eles de qualquer forma de poder. O ditado popular diz tudo sobre a corrupção. Quem faz um ladrão ser político é o seu voto!
Entre nós, ainda estamos na fase em que o cabeça de lista ao Parlamento Europeu por parte do PSD afirma que não vê motivos para que Álvaro Amaro não tome posse como eurodeputado depois das Europeias do mês passado. Quem não percebeu, que perceba!
Um bom dia e uma boa semana para todos.
(Crónica na Rádio F - 17 de Junho de 2019)