Foi há pouco mais de 2 anos que dois médicos do hospital da Guarda foram multados em cerca de 33 mil euros por terem tido a ousadia de participar, juntamente com mais 54 colegas, na elaboração de um abaixo-assinado dirigido ao primeiro-ministro de então, a propósito da problemática das maternidades da Beira Interior.
Quem aplicou as multas, a pretexto da utilização de papel timbrado e selos da instituição no valor de 3 euros e tal, se bem se lembram, foi o diligente conselho de administração da ULS da Guarda, o mesmo que ainda lá mora e que assiste agora, impávido e sereno, ao vendaval de notícias e não-notícias que dão como certo o encerramento da maternidade da Guarda em favor da Covilhã.
Também o presidente da câmara, os dirigentes dos partidos do eixo (PS, PSD e CDS) e as diferentes forças vivas(?) da cidade contemplam silenciosamente a verdadeira hecatombe que ameaça abater-se sobre a saúde da nossa terra.
Aposto que, conhecidas as conclusões e decisões de grupos (muito bem pagos) de burocratas de Lisboa, não faltarão heróis de ocasião a comandar hordas de mamãs e meninos, a propor a colocação de toneladas de fraldas nas janelas e a escrever inflamados artigos de opinião, tentando dessa forma capitalizar protagonismos tardios que, certamente, lhes permitirão ascender na hierarquia social e político-partidária local.
Uma tristeza.
Mas, voltando ao abaixo-assinado das multas de há 2 anos: quantas pessoas que não resistiram a dar opinião sobre o assunto leram efectivamente o documento? Qual era, afinal, o conteúdo de tão incómodo abaixo-assinado? Que profecias continha?
Cito:
É consensual que a manutenção de três blocos de partos na Beira Interior (…) é a curto prazo insustentável…
… nenhum destes blocos de partos obedece neste momento aos critérios exigidos pelo governo…
Emerge a ideia de que o governo se mostrou incapaz ou pouco interessado em assumir a responsabilidade política deste dossier…
É firme convicção dos subscritores que pelo menos uma das três maternidades da Beira Interior acabará por ter que ser encerrada…
É impensável que as populações do extremo norte do distrito da Guarda e do extremo sul do distrito de Castelo Branco não sejam assistidas nas maternidades das respectivas capitais de distrito.
Esta “ousadia” de 56 médicos do hospital custou, relembro, 33 mil euros a 2 dos subscritores e a mais uns poucos que se recusaram a virar a cara para o lado.
A realidade actual é, no entanto, dramática. Este governo ameaça cortar a torto e a direito, prepara-se para encerrar de facto a maternidade, atrás dela a unidade de neonatologia, desvalorizando assim o serviço de pediatria, comprometendo directa e indirectamente a cirurgia pediátrica, a anestesia, a ortopedia e a otorrinolaringologia, tornando desta forma o hospital cada vez menos atractivo para novos profissionais e desprezando a população de uma região cada vez mais abandonada e esquecida.
Assistimos passivamente a isto ao mesmo tempo que na A23 e A25 são colocados os pórticos para cobrança de portagens (preparem-se grávidas que se dirijam a Viseu ou à Covilhã), que Delphi, Hotel Turismo e dezenas de pequenas indústrias e comércios fecham portas, que o IVA da restauração sobe para 23% e o da cultura para 13, que os subsídios de férias e Natal vão subsidiar outros bolsos, que o número de desempregados cresce cada dia e que a cidade e a região vão morrendo.
Assistimos a isto ao mesmo tempo que esperamos pela inauguração da famigerada ampliação das instalações do hospital, que nos custou a módica quantia de 40 milhões de euros, e pelo início das obras de requalificação das velhas instalações orçadas em mais 30 milhões.
Claro que, à boa maneira portuguesa, este “novo hospital” que nos querem oferecer pela módica quantia total de 70 milhões de euros inclui, naturalmente, novas instalações para a… maternidade!!
E um novo bloco operatório, e um novo serviço de pediatria e por aí fora.
Culpo os deputados e ex-deputados, culpo os autarcas e ex-autarcas, culpo ex-governadores civis que distribuíam flores na maternidade no dia de ano novo, culpo o conselho de administração da ULS, culpo todos aqueles que viraram a cara, que nada fizeram, que se calaram mas que nunca deixaram de procurar (e obter) o protagonismo que sempre perseguiram, mas que, no fim de contas, contribuíram para que, ao fim de 800 anos, deixe de ser possível nascer-se na Guarda.
Culpo a propaganda e os louros cobrados por todos os que passearam o estandarte do “novo hospital”.
Culpo todos aqueles que, não a servindo, se serviram da Guarda ao longo dos últimos 37 anos.
Não culpo as grávidas e todas as mulheres que querem engravidar, sejam elas da Guarda, da Meda, de Foz Côa ou de Trancoso; não culpo as crianças; não culpo os pediatras, os obstetras, os enfermeiros, os funcionários do hospital ou todos aqueles que deram a cara pela causa.
Não culpo a cidade da Guarda pelas gentes que a conduziram até aqui.
O último a sair que feche a porta, se faz favor.
(artigo publicado no jornal "O Interior", dia 9 de Dezembro de 2011)