O mês de Abril, quando os cravos abrirem, o Parlamento fecha e, consequentemente, o Governo vai-se.
Fecha....isto é será despejado...
Houve talvez umas certas fórmulas, fez-se decerto o programa do encerramento; mas a verdade é que elas foram precipitadas, aos empurrões, pelas escadas de S. Bento abaixo.
O Parlamento estava quieto, mudo, bem barbeado, comodamente sentado, em frente dos computadores, sem desconfiança, esperando com gravidade cívica que o Governo manifestasse a sua ideia por um plano de estabilidade e crescimento. Só que, houve instabilidade, um dito, um grito, uma carranca!!!
O Governo entrou e, com um gesto palaciano abdicou.....acto contínuo a câmara caiu....
Quando uma Câmara, seja ela qual for, a das bacalhoeiras ou das badalhocas cai, o Governo nomeia outra.
Nomeia, sim.....porque uma Câmara não é eleita pelo povo, é nomeada pelo Governo.
O deputado é um empregado de confiança.
Somente a sua nomeação não é feita por um decreto nitidamente impresso no Diário da República: o processo dessa nomeação é mais complexo e moroso. É por meio de votos, os quais são tiras de papel, onde estão impressos emblemas e que se deitam num domingo, numa salinha, dentro de umas caixas de lata, que se chamam romanticamente urnas.
Uns homens graves, de camisas lavadas, estão em roda da urna. Estes homens chamam-se mesa. São eles que, com gesto cívico e cheios do espírito das instituições, metem gravemente o papelinho branco, ( o voto!) na caixinha (a urna!).
A urna afecta várias formas, segundo as freguesias: há urnas do feitio de caixas de açucar, do feitio de vasilhas, do feitio de chávenas, etc.
Os candidatos gritam sempre, no último período dos seus manifestos, transportados do furor constitucional:- Cidadãos, à urna!
É puramente uma denominação sentimental.
Para serem mais exactos, deveriam exclamar, em certas freguesias:
- Cidadãos, ao caixote!
E noutras:
- Cidadãos, à vasilha!
E, noutras ainda:
- Cidadãos, à gamela!
(Continua em próximos episódios e, a não perder...como se faz um Felizardo bacoco)
(Adaptação de Uma Campanha Alegre, Eça de Queiroz, volume I, Lisboa 1969, pp 66-67)