segunda-feira, outubro 31, 2022

Ponto de vista

 Recentemente o chefe da diplomacia da União Europeia, um tal Josep Borrell, vice-Presidente da União Europeia e o alto-representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, no discurso de inauguração de um programa académico de diplomacia, em Bruges, afirmou que, e passo a citar, «A Europa é um jardim. Construímos um jardim.
Tudo funciona.
É a melhor combinação de liberdade política, prosperidade económica e coesão social que a humanidade já construiu", fim de citação.
E, mais à frente do seu discurso, diz, e passo a citar "O resto do mundo não é exactamente um jardim. A maioria do resto do mundo é uma selva, e a selva pode invadir o jardim. Os jardineiros devem cuidar dele, mas não vão proteger o jardim construindo muros. Um pequeno jardim rodeado por muros altos para impedir a selva entrar não é uma solução, porque a selva tem uma capacidade de crescimento forte e o muro nunca será alto o suficiente".
Estas declarações de um Borrell, que nunca se sujeitou a um acto eleitoral, qualquer que ele fosse, que nunca foi legitimado por uma qualquer democracia, nem mesmo a representativa, que foi escolhido por pares da mesma laia, foram recebidas com críticas e acusações generalizadas de racismo, xenofobia e colonialismo.
Caíram tão mal que, dias depois, Borrell veio dizer que houve um mal-entendido com a "metáfora" que utilizou, metendo ainda mais os pés pelas mãos na sua explicação, e passo a citar, "A metáfora do jardim e da selva não é invenção minha. Alguns realmente detestam-na porque, entre outros, foi usada por neoconservadores norte-americanos, mas eu estou longe desta escola de pensamento político.
De facto, o conceito tem estado presente em debates políticos e académicos há décadas, porque refere-se a uma questão simples que enfrentamos todos os dias: deverá a ordem internacional ser baseada em princípios aceites por todos, independentemente da força dos seus actores, ou deverá ser baseada na vontade do mais forte, que é comumente chamada de 'lei da selva'?", fim de citação.
Para o parasita tecnocrata de Bruxelas o seu mundo voltou ao tempo antes de Copérnico.
A terra é plana, o Sol gira em torno da Terra e o resto do mundo deve olhar para a Europa como exemplo de virtudes. Estamos no século XXI, num século que parece vindo das trevas mais ignorantes e imbecis da época medieval. Ou quiçá de tempos ainda mais ancestrais em que tudo o que não era do Império era bárbaro.
Em 2022 um alto funcionário da União Europeia, e logo para os Negócios Estrangeiros, sublinhe-se, a ter um discurso saído do paço real de Isabel, a Católica, ou do espertalhão, assassino e cínico D. João II, em Portugal é preocupante.
Podem dar o mundo todo a um europeu para conquistar e dizimar os nativos. De fazer da escravatura o mais horrível dos crimes da Humanidade. Podem dar o mundo todo a um europeu para impor a pior e mais sanguinária das práticas religiosas que se conheceram, a Inquisição.
Com que então a Europa construiu um jardim, o mais belo da humanidade. Como e à custa de quê?
Até parece que não foi com séculos de escravidão, exploração, tráfico e genocídio baseados numa superioridade moral, religiosa, económica e política, depois apoiada em positivismo científico. Parece então que aqui é um jardim, mas lá fora é a selva, onde, claro, há selvagens.
Que fazem? Invadem.
Porque são bárbaros, incivilizados, seres inferiores que não vão descansar enquanto não vierem para cá viver dos nossos subsídios, substituir os "europeus" pelos "selvagens", os "cristãos" pelos "párias" – enfim, continuar a preencher com metáforas e dicotomias úteis entre potenciais ideias de "jardins" e "selvas".
Os muros não resultam, como temos visto pela política do Frontex, precisamente, muros que a União Europeia "plantou" como uma sebe de espinhos para manter o seu condomínio privado bem separado da favela, responsável pela morte de milhares de pessoas no Mediterrâneo.
O melhor é os jardineiros baixarem à selva, interagir, como quem diz porque a selva é isso mesmo, indomável, logo domesticar.
Ao justificar-se impunemente explicou ainda de onde vinha esta "escola de pensamento".
Fez e faz escola, vemos, não inócua, e parece fácil pô-la em prática: é a ordem internacional a explicar no seu cânone diplomático que, para podermos viver segura e confortavelmente neste jardim europeu, foi sempre necessária a criação e manutenção de uma ideia de selva lá fora.
Parece que os europeus ainda não se deram conta de que o seu consumo bom-bonito-e-barato, a sua abundância entregue à porta, a sua paz social, a sua riqueza "distribuída", a sua "prosperidade" económica, este jardim, zoológico e menos humano, existe ao preço de semear o caos, a violência e a exploração do Global.
Ou seja, a "lei da selva", a do mais forte, foi a que sempre imperou para a manutenção do nosso status quo.
Cá dentro, este cheirinho a mofo disfarçado de alecrim.
Lá fora, o caos, os bárbaros, a selva escura.
Fica um conselho, estudem antes de dizerem barbaridades.
Eleitos ou só nomeados.
Todos!
Lembro aqui e agora a obra de Sven Lindqvist, «Exterminem todas as bestas», onde o autor sueco afirma que o holocausto nazi foi único – na Europa. Mas lembra que Auschwitz foi a aplicação industrial moderna de uma política de extermínio sobre a qual assentava o domínio europeu na América, Austrália, África e Ásia.
Na tal selva que um acéfalo e imbecil fala.
Tenham uma boa semana.