sexta-feira, abril 16, 2021

Ponto de vista

Foi recentemente publicado um estudo do economista Eugénio Rosa sobre a situação calamitosa em que se encontra a Administração Pública e, mais concretamente o desempenho como serviço público e da qualidade do emprego e das condições de trabalho dos funcionário públicos. Importa que se faça uma análise ao documento para, desta forma, compreendermos como os governantes, todos eles, olham para a Administração Pública. Para início de conversa, o economista Eugénio Rosa começa por considerar que a crise da Administração Pública é causada por falta de investimento público, pela existência de um sistema remuneratório desmotivante, e pelo aumento da precariedade, tudo isto agravada pelo Covid, e por normas burocráticas que impedem qualquer gestão eficiente, eficaz e que responsabilize. A grave crise de saúde pública causada pelo Covid e as medidas tomadas por força dela – confinamento, teletrabalho, etc. - por um lado agravaram, na opinião de Eugénio Rosa, ainda mais a crise existente, provocando a desorganização da Administração Pública, a produtividade e a capacidade de resposta que diminuíram significativamente e que foi sentido de modo agudo por todos os portugueses. Tudo isto associado ao uso e abuso de meios da Administração Central para disseminar incompetentes e medíocres pelos órgãos de direcção das instituições. O que se verificou a nível do SNS, onde a falta de meios era notória determinando continuas ruturas de muitos hospitais públicos, só atenuada pelo esforço e dedicação quase sobre humana dos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, Técnicos de diagnósticos, Assistentes Técnicos e Assistentes Operacionais, estes três últimos muitas vezes esquecidos mas também fundamentais é uma prova da situação a que chegou a Administração Pública portuguesa como consequência da política dos sucessivos governos. O discurso oficial de que as graves dificuldades que o SNS enfrentou e enfrenta resultam apenas do carácter excecional desta crise de saúde pública é apenas meia-verdade que procura iludir a opinião pública pois, a verdade total é outra. Um dos aspectos que mais surpreende na atuação do governo é que parece não ter aprendido com a grave crise económica e social que o país enfrenta e com a necessidade de reforçar a Administração Pública com os meios que esta necessita para poder responder às necessidades do país e dos portugueses. Outro aspecto negativo, que mostra com clareza que o atual governo, ainda não aprendeu com a grave crise que o país enfrenta, é que é necessário dotar a Administração Pública com profissionais, em quantidade e com as competências necessárias par responder às necessidades do país, e não o recurso maciço a trabalho precário para suprir necessidades permanentes da Administração Pública, incluindo do SNS. São necessários e urgentes concursos públicos transparentes, com critérios bem definidos, e não com destinatários à partida já definidos, que se acabe de vez com a partidarite dos serviços e da contratação de funcionários pelo factor cunha, com recurso a malabarismos conhecidos e culminados nas célebres e hipócritas entrevistas. Ainda segundo dados do INE entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, o número de trabalhadores com contratos a prazo nas Administrações Públicas, central, local e regional, aumentou em 21%, sendo a subida na Administração Central de 22%. Entre 2019 e 2020, a taxa de precaridade aumentou de 11% para 13% em todas as Administrações Públicas, e de 13% para 15% na Administração Central. Muito se diz sobre as remunerações dos trabalhadores da Função Pública para os criticar, mas poucos se dão ao trabalho de estudar o seu sistema remuneratório. Em 2009, Sócrates substituiu o sistema que vigorava por uma Tabela Remuneratória Única, com 108 níveis remuneratórios, em que o nível mais baixo, nível 1, é o salário mínimo nacional acabando também com as carreiras profissionais existentes. E depois “encaixou”, à força, nesses níveis remuneratórios os 728 000 trabalhadores. Para subir de nível remuneratório são necessários, para a maioria dos trabalhadores, um mínimo de 6 anos, opção gestionária, mas na maioria dos casos 10 anos, pois os 6 necessitam de ter o acordo do Ministério das Finanças. E isto porque é preciso acumular pelo menos 10 pontos dados por um sistema de avaliação anacrónico e injusto, SIADAP, e os que excedem os 10 não são considerados para a subida de nível no período seguinte. É o recurso às tão célebres e aberrantes cotas. Forma ardilosa, ladra e patriarcal de proteger os afilhados e lambe botas e prejudicar milhares de funcionários. As remunerações da Tabela Única mantiveram-se inalteráveis de 2009 até 2020, ano em que subiram 0,3%, tendo sido novamente congeladas em 2021, com exceção da mínima. Entre 2009 e 2020, os preços, sem entrar em conta com a enorme subida do IRS e da contribuição para a ADSE, aumentaram 12%. As alterações que têm tido, para além dos 0,3%, foram no nível mais baixo da tabela, a que é igual ao salário mínimo nacional. Com a subida deste, os 3 primeiros níveis desapareceram. Em 2021, o nível 1 já corresponde ao nível 4 da de 2009, o que causa distorções e injustiças, pois milhares de trabalhadores com vários anos de Função Pública que ganhavam mais entre 50€ e 185€ do que o salário mínimo nessa altura níveis 2, 3 e 4, agora recebem apenas o salário mínimo. Como consequência o poder de compra dos trabalhadores da Função Pública no fim de 2020 continuava a ser inferior ao de 2010. Entre 2010 e 2020, o poder de compra da remuneração base média mensal dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas Central, Local e Regional diminuiu em 10%. No entanto há categorias profissionais onde a perda é maior. Por exemplo, para os médicos a perda foi de 16%; para os enfermeiros de 9%; para os professores de 13%; para os Técnicos superiores a perda de poder de compra atinge 16%. É evidente que, com o sistema remuneratório como aquele que referimos, e com estas perdas de poder de compra, associados ao congelamento durante anos a fio das remunerações, não se consegue nem motivar e compensar devidamente aqueles que mais se empenham e com maior produtividade que estão na Função Pública nem atrair para a Administração Pública trabalhadores com competências elevadas para ela poder responder às necessidades do país e dos portugueses. São por todas estas razões que afirmamos que a Administração Pública enfrenta atualmente uma profunda crise que o governo não compreende ou ignora. E para agravar ainda mais a situação, ela continua metida num “colete de forças” e um sistema de controlo e de normas burocráticas que impedem qualquer gestão eficiente, eficaz e que responsabilize. 
Tenham uma boa semana.

(Crónica Rádio F - 12 de Abril de 2021)