Vinte
anos após o terrível acidente da queda da ponte de Entre-os-Rios a
questão que se coloca é saber se os portugueses podem ou não estar
tranquilos face à segurança, à sua segurança, que as várias
estruturas e as catástrofes naturais ou provocadas podem determinar
nas suas vidas.
Assim de uma só penada lembro-me da ponte Hintze
Ribeiro, em Entre-os-Rios, da queda da estrada de Borba, no Alentejo,
a tragédia na praia Maria Luísa, em Albufeira,
os incêndios em Pedrógão, na ilha da Madeira e tantos outros
casos.
Em todos eles nunca há culpados judicialmente.
A culpa morre
solteira por muito que se queira dizer o contrário.
Mas voltemos ao
caso da ponte Hintze
Ribeiro, em Entre-os-Rios.
É um facto que a vulnerabilidade ao nível
das fundações da ponte foi exposta com o aumento do caudal da água
no rio Douro, durante um período de cheia, mas ninguém pode
igualmente negar que houve culpas na extração de inertes sem
qualquer fiscalização.
A pergunta que os portugueses fazem e para
qual querem, exigem uma resposta pronta e urgente é saber se depois
de 20 anos do trágico acidente que vitimou 59 pessoas,
é provável que um cenário semelhante possa repetir-se.
É evidente
que pode.
Desde logo porque há um axioma na engenharia civil que se
aplica na sua plenitude ao caso português: “o risco minimiza-se,
mas não se anula.”
Depois passando para o domínio administrativo
muitos municípios desconhecem o estado de conservação das
infraestruturas que são da sua responsabilidade e, em alguns casos,
não têm o seu inventário completo. Embora alguns municípios já
tenham tomado a iniciativa de desenvolverem a sua própria
estratégia, a maior parte deles têm limitações financeiras, bem
como falta de capacidade orgânica.
O Governo pode delegar
competências, mas não pode delegar responsabilidades, pelo que lhe
cabe propor um programa nacional de inspeção de pontes sob domínio
dos municípios, de forma a identificar a condição operacional
deste tipo de infraestrutura. Para além disso, é preciso estudar o
efeito das alterações climáticas nas pontes.
Um dos efeitos que se
prevê para Portugal é, precisamente, o aumento da frequência das
chuvas intensas por intervalos curtos de tempo, causando
especialmente maiores caudais nos rios das bacias hidrográficas mais
pequenas, inundações e, no limite, mais erosão do leito junto das
fundações.
São necessários mais estudos para se desenvolverem
estratégias de adaptação que sejam implementadas hoje, para assim
evitarmos consequências desastrosas no futuro. Aqui não é de
excluir a construção de obras de proteção do leito contra
fenómenos de erosão junto dos pilares.
Em paralelo, é necessária
uma responsabilização das entidades coordenadoras da gestão dos
recursos hídricos, com vista a impedir intervenções que conduzam à
destruição do equilíbrio dinâmico dos rios.
Em
Portugal após as tragédias os responsáveis, directos ou
indirectos, apressam-se a sacudir a água do capote culpando todo o
tipo de causas que, por não humanas, não se podem defender. Depois
elogiam tudo o que participou no socorro. Em seguida fazem-se juras
de que o assunto nunca mais será esquecido e, para acalmar as hostes
nomeiam-se comissões de inquérito e, por vezes comissões às
próprias comissões para estudarem o sucedido e acautelar outras
situações.
Tudo farsas de muito mau gosto e pouco ou nenhum
resultado prático. As conclusões nunca chegam ou se chegam são
dúbias, confusas e nada esclarecedoras.
A culpa morre solteira.
Para
conforto dos vivos ergue-se, pateticamente, um monumento para lembrar
aos da terra a sua dor, como se eles fossem os culpados da tragédia.
Triste povo que tira o chapéu a gente desta estirpe.
Já
os incêndios florestais de 2017 e 2018 mostraram a falta de
protecção de um Estado a mesma falta na estrada de Borba e na
arriba de Albufeira entre muitos outros casos.
O mesmo sucede,
hodiernamente, com a pandemia.
Na boca dos responsáveis os culpados
são sempre os portugueses. Em Portugal a verdade e a justiça são
cada vez mais determinadas pelos sofistas que enxameiam os
ministérios.
Procura-se sempre desculpabilizar os governantes e
atirar as culpas para quem humildemente, sem sequer esboçar um
mínimo de revolta, tudo aceita até o enxovalho.
Os cidadãos que
não limparam as matas, o SIRESP, a trovoada seca, o desconfinamento,
a falta de vacinas quer da gripe quer da Covid, o facto de se estar
na hora errada no lugar errado, tudo serviu para a “verdade”
sofista inocentar o falhanço governamental.
Eu sei, o pilar quatro
não devia lá estar. Do três devia passar-se logo para o cinco.
Eu
sei que todos, mas todos, sabiam que as fendas nos tabuleiros eram
enormes, havia sítios em que se via o rio. Mas que importa?
Resta-nos a memória para lembrarmos os que desapareceram naquela
noite de breu de Março dia 4 por causa de um pilar 4. Tenham uma boa
semana.
(Crónica Rádio F - 8 de Março de 2021)