quarta-feira, março 10, 2021

Ponto de vista

Vinte anos após o terrível acidente da queda da ponte de Entre-os-Rios a questão que se coloca é saber se os portugueses podem ou não estar tranquilos face à segurança, à sua segurança, que as várias estruturas e as catástrofes naturais ou provocadas podem determinar nas suas vidas. 
Assim de uma só penada lembro-me da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, da queda da estrada de Borba, no Alentejo, a tragédia na praia Maria Luísa, em Albufeira, os incêndios em Pedrógão, na ilha da Madeira e tantos outros casos. 
Em todos eles nunca há culpados judicialmente. 
A culpa morre solteira por muito que se queira dizer o contrário. 
Mas voltemos ao caso da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios. 
É um facto que a vulnerabilidade ao nível das fundações da ponte foi exposta com o aumento do caudal da água no rio Douro, durante um período de cheia, mas ninguém pode igualmente negar que houve culpas na extração de inertes sem qualquer fiscalização. 
A pergunta que os portugueses fazem e para qual querem, exigem uma resposta pronta e urgente é saber se depois de 20 anos do trágico acidente que vitimou 59 pessoas, é provável que um cenário semelhante possa repetir-se. 
É evidente que pode. 
Desde logo porque há um axioma na engenharia civil que se aplica na sua plenitude ao caso português: “o risco minimiza-se, mas não se anula.” 
Depois passando para o domínio administrativo muitos municípios desconhecem o estado de conservação das infraestruturas que são da sua responsabilidade e, em alguns casos, não têm o seu inventário completo. Embora alguns municípios já tenham tomado a iniciativa de desenvolverem a sua própria estratégia, a maior parte deles têm limitações financeiras, bem como falta de capacidade orgânica. 
O Governo pode delegar competências, mas não pode delegar responsabilidades, pelo que lhe cabe propor um programa nacional de inspeção de pontes sob domínio dos municípios, de forma a identificar a condição operacional deste tipo de infraestrutura. Para além disso, é preciso estudar o efeito das alterações climáticas nas pontes. 
Um dos efeitos que se prevê para Portugal é, precisamente, o aumento da frequência das chuvas intensas por intervalos curtos de tempo, causando especialmente maiores caudais nos rios das bacias hidrográficas mais pequenas, inundações e, no limite, mais erosão do leito junto das fundações. 
São necessários mais estudos para se desenvolverem estratégias de adaptação que sejam implementadas hoje, para assim evitarmos consequências desastrosas no futuro. Aqui não é de excluir a construção de obras de proteção do leito contra fenómenos de erosão junto dos pilares. 
Em paralelo, é necessária uma responsabilização das entidades coordenadoras da gestão dos recursos hídricos, com vista a impedir intervenções que conduzam à destruição do equilíbrio dinâmico dos rios. 
Em Portugal após as tragédias os responsáveis, directos ou indirectos, apressam-se a sacudir a água do capote culpando todo o tipo de causas que, por não humanas, não se podem defender. Depois elogiam tudo o que participou no socorro. Em seguida fazem-se juras de que o assunto nunca mais será esquecido e, para acalmar as hostes nomeiam-se comissões de inquérito e, por vezes comissões às próprias comissões para estudarem o sucedido e acautelar outras situações. 
Tudo farsas de muito mau gosto e pouco ou nenhum resultado prático. As conclusões nunca chegam ou se chegam são dúbias, confusas e nada esclarecedoras. 
A culpa morre solteira. 
Para conforto dos vivos ergue-se, pateticamente, um monumento para lembrar aos da terra a sua dor, como se eles fossem os culpados da tragédia. 
Triste povo que tira o chapéu a gente desta estirpe. 
Já os incêndios florestais de 2017 e 2018 mostraram a falta de protecção de um Estado a mesma falta na estrada de Borba e na arriba de Albufeira entre muitos outros casos. 
O mesmo sucede, hodiernamente, com a pandemia. 
Na boca dos responsáveis os culpados são sempre os portugueses. Em Portugal a verdade e a justiça são cada vez mais determinadas pelos sofistas que enxameiam os ministérios. 
Procura-se sempre desculpabilizar os governantes e atirar as culpas para quem humildemente, sem sequer esboçar um mínimo de revolta, tudo aceita até o enxovalho. 
Os cidadãos que não limparam as matas, o SIRESP, a trovoada seca, o desconfinamento, a falta de vacinas quer da gripe quer da Covid, o facto de se estar na hora errada no lugar errado, tudo serviu para a “verdade” sofista inocentar o falhanço governamental. 
Eu sei, o pilar quatro não devia lá estar. Do três devia passar-se logo para o cinco. 
Eu sei que todos, mas todos, sabiam que as fendas nos tabuleiros eram enormes, havia sítios em que se via o rio. Mas que importa? Resta-nos a memória para lembrarmos os que desapareceram naquela noite de breu de Março dia 4 por causa de um pilar 4. Tenham uma boa semana.

(Crónica Rádio F - 8 de Março de 2021)